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img: Zack McCarthy/CC BY

Ameaças emergentes no espaço cibernético: crime organizado e tráfico de pessoas

09/09/2024

Renato Lira Brito, Doutorando em Ciência Política (UFPE)

O crescimento exponencial dos crimes cibernéticos constitui um dos principais desafios para as próximas décadas. O fato do espaço cibernético ser um local onde a responsabilização e o rastreamento das ações são difíceis torna mais aguda a problemática. Entendemos por espaço cibernético o ambiente “composto por um conjunto de canais de comunicação da Internet e outras redes de comunicação, que garantem a interconexão de dispositivos de tecnologia da informação. Engloba todas as formas de atividades digitais em rede, incluindo o armazenamento, processamento e compartilhamento de conteúdo, além de todas as ações, humanas ou automatizadas, conduzidas por meio desse ambiente”. 

Além disso, a desigualdade econômica proporciona uma oportunidade para os criminosos, como ressaltou o ex-secretário geral da International Telecommunication Union, Hamadoun Touré: “os criminosos cibernéticos veem a África como um porto seguro para operar ilegalmente com impunidade”. Países em desenvolvimento e com alta taxa de penetração da Internet comumente possuem setores, instituições e políticas de segurança cibernética mais frágeis, como é o caso brasileiro, o que facilita o estabelecimento e a atividade de redes de crime organizado.

O setor cibernético e o crime organizado

No Brasil, a criação do setor cibernético ocorreu de maneira militarizada, o que acarretou em um descompasso entre os problemas reais da sociedade e o que é enfatizado pelas políticas e instituições do País. Paralelamente ao crescimento significativo de crimes cibernéticos e a intensificação da atividade do crime organizado, o setor cibernético tem voltado a sua atenção para a guerra e os ataques cibernéticos, além de ciberespionagem e a atividade terrorista, o que resulta em um desvio da função do setor, quando considerada a emergência dessas ameaças domésticas.

O crime organizado tem se adaptado às novas tecnologias e utilizado o espaço cibernético para expandir as atividades criminosas. Uma parte significativa da comunicação das redes criminosas ocorre no espaço cibernético, se utilizando, entre outras coisas, de aplicativos que criptografam as mensagens. Outras atividades criminosas proeminentes no espaço cibernético são a lavagem de dinheiro e o aliciamento online, esse último mais relacionado ao tráfico de pessoas, que tem aumentado substancialmente no Brasil.

O espaço cibernético e o tráfico de pessoas no Brasil

De acordo com o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, “a expressão ‘tráfico de pessoas’ significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos“. Recentemente, o governo brasileiro, através do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), modificou as regras de entrada no País, após a sinalização, por parte da Polícia Federal, do crescimento dos esquemas de tráfico de pessoas.

Nesse sentido, o tráfico de pessoas pode ocorrer para fins de exploração sexual, para trabalho análogo à escravidão, para o tráfico de órgãos, mas também – especialmente nos últimos anos – para o cometimento de crimes. Esse fenômeno não se restringe ao tráfico internacional, uma vez que pessoas podem ser traficadas de município para outro município, entre bairros em um mesmo município, entre estados de um mesmo país, o que dificulta ainda mais o seu monitoramento.

Em todas essas atividades criminosas, em alguma medida, as redes de crime organizado se utilizam do espaço cibernético, seja para aliciar as vítimas, para fins de comércio ilegal ou para comunicação e logística. Dentre as vantagens observadas para essa migração do crime organizado para o espaço cibernético, observa-se: i) acesso mais generalizado à Internet; ii) maior disponibilidade da tecnologia e dos serviços (baixo custo); iii) anonimato e disfarce dos usuários, o que permite que os traficantes cometam seus crimes com risco reduzido; iv) capacidade dos criminosos de trabalhar em casa e operar em muitos países, atingindo um número maior de vítimas; v) dificuldade de rastreamento; vi) improbabilidade das vítimas denunciarem os criminosos porque sua identidade pode ser desconhecida; vii) alta lucratividade do crime em relação ao investimento necessário; viii) falta de políticas e legislação estatais adequadas e falta de legislação internacional unificada sobre tráfico e cibercrime, o que cria problemas não apenas na persecução penal, mas na jurisdição em geral.

No caso do tráfico de pessoas para cometimento de crimes, tem sido observada uma lógica bidirecional, onde são cometidos crimes cibernéticos para fins de tráfico de pessoas e, ao mesmo tempo, as pessoas são traficadas para cometer crimes cibernéticos. Para lidar com essa dinâmica, é necessário que o setor cibernético esteja voltado para uma perspectiva civil da segurança cibernética, estabelecendo políticas específicas e fortalecendo as instituições de combate e repressão aos crimes cibernéticos e garantindo a cooperação interinstitucional entre as polícias e os órgãos envolvidos, criando fluxos de atendimento às vítimas que estejam atrelados às questões do cibernética, formando especialistas com expertise na interseção entre segurança cibernética e no enfrentamento ao tráfico de pessoas, sistematizando os dados existentes no País e investindo em pesquisa e desenvolvimento.