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Lula na COP 27: as perspectivas da política externa brasileira para o clima
09/12/2022
Giovanna Macieira Rosario, Mestranda em Relações Internacionais (IRI-USP)
Diante da vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva no dia 30 de outubro, ficou decretado que a política doméstica brasileira que seguia um caminho, ou descaminho, seria reconduzida então para a direção contrária. Quer dizer, conforme dito pelo presidente eleito em seu discurso da vitória, um projeto de Brasil, absolutamente oposto àquele que estava sendo implementado pelo governo de Jair Bolsonaro, saiu vitorioso nas urnas.
Afinal, um candidato de esquerda, apoiado pela chamada “frente ampla democrática”, derrotou um presidente de extrema-direita em exercício, que flertou inúmeras vezes com a possibilidade de não aceitar o resultado eleitoral, seguindo a cartilha da extrema-direita trumpista. Jair Bolsonaro ainda não parabenizou Lula pela vitória. Tal ato, seria o reconhecimento explícito do resultado eleitoral, algo que poderia desmobilizar seus apoiadores mais radicais que clamam por um golpe motivado por infundadas alegações de fraudes eleitorais.
No entanto, o reconhecimento da derrota pelo adversário se transformou em uma espécie de contingência em tempos de ascensão da extrema-direita. O fundamental é que o reconhecimento da sociedade civil, da elite política e da comunidade internacional ocorreu de maneira imediata, assim como o convite para que o presidente eleito comparecesse à 27ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), realizada em Sharm El Sheikh, Egito.
A presença de Lula na Conferência foi marcada por importantes encontros bilaterais e por pronunciamento que deixou claro que a transformação que ocorrerá no país no que diz respeito à política doméstica se refletirá também na política externa. A agenda climática, que foi renunciada durante os quatro anos de governo Jair Bolsonaro, ao que tudo indica, assumirá um papel central no novo governo.
A agenda climática sob o governo Bolsonaro
Diante de uma política externa inteiramente voltada para um público doméstico e ideológico, a agenda climática, que é uma agenda essencialmente multilateral diante da impossibilidade de um combate unilateral ou bilateral às mudanças climáticas, foi deixada de lado, quando não foi combatida.
Afinal, segundo o primeiro e mais longevo ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo, a “ideologia da mudança climática” não passaria de uma criação esquerdista a fim de aumentar o poder de organizações internacionais sob os Estado nacionais. A agenda climática era desimportante e combatida ao ponto de que a realização da COP 25 no Brasil que ocorreria em 2019, primeiro ano do mandato de Bolsonaro, foi cancelada.
A política externa brasileira nunca foi objeto de consenso dentre os grupos que integravam o governo Bolsonaro. Em artigo publicado em 2019, os pesquisadores Guilherme Casarões e Daniel Flames dividiram os grupos com potencial de influência na política externa em três. Em primeiro lugar, os liberais econômicos liderados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Em segundo lugar, os militares. Por fim, os autodenominados anti-globalistas, representados oficialmente pelo então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, mas não somente. O filho de Bolsonaro, Eduardo, também foi responsável pela estruturação de uma agenda de política externa inteiramente ideológica e automaticamente alinhada ao ex-presidente estadunidense, Donald Trump.
Não é preciso se aprofundar no assunto para perceber que os anti-globalistas dominaram, na maior parte do tempo, a política externa bolsonarista. A ideia de que o Ocidente teria sido tomado por obscuras forças globalistas determinadas a solapar os valores fundamentados em Deus, família e Nação prevaleceu. Nesse sentido, a “ideologia das mudanças climáticas”, segundo os anti-globalistas, deveria ser rechaçada. Afinal, ela seria não somente um caminho para a intromissão das Organizações Internacionais e de outros países sobre a soberania brasileira, mas também um impeditivo para o avanço econômico.
Desse modo, a política externa sob o governo Bolsonaro consistiu em um “desvio de rota” significativo do posicionamento que o país havia se empenhado em delimitar após a redemocratização. Principalmente diante do abandono dos fóruns de discussão multilaterais e do fim de qualquer pretensão a um protagonismo na agenda ambiental.
Nas duas primeiras décadas do século XXI, talvez o maior compromisso do Brasil no combate às mudanças climáticas tenha sido a diminuição do desmatamento. Entre 2005 e 2012, o país conseguiu reduzir em 70% a taxa de desmatamento devido a ações focadas na proteção da Amazônia durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) e durante os dois primeiros governos Lula (2003 – 2010). Esse compromisso foi formalmente assumido pelo país no Acordo de Paris em 2015, quando o Brasil se comprometeu a eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Contudo, apesar do país ter ratificado o Acordo, Bolsonaro ameaçou deixá-lo ao ser eleito, pretendendo reproduzir o que fez Donald Trump nos Estados Unidos.
A intenção de abandonar o Acordo de Paris não foi despropositada. Bolsonaro se empenhou no sucateamento dos órgãos de fiscalização ambiental brasileiros, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) que, segundo o presidente, seria o responsável por uma “indústria da multa ambiental”. O ex-ministro do Meio-Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, será lembrado como o único ministro da pasta investigado por violações ambientais, sob a acusação de facilitar o contrabando de produtos ambientais, mais especificamente de madeira brasileira.
Foi nesse contexto de desmonte da política ambiental que o governo Bolsonaro não somente não reduziu o desmatamento, conforme compromisso assumido no Acordo de Paris, como aumentou a taxa de desmatamento da Amazônia em 73% nos três primeiros anos de mandato. Não à toa, Bolsonaro nunca esteve presente em uma COP e todos os anos postergou a divulgação dos dados sobre desmatamento brasileiro para depois do evento. Afinal, se nos primeiros anos do século XXI o Brasil se colocava como um exemplo no combate às mudanças climáticas, sob o Governo Bolsonaro, o país se tornou um vilão, enquanto o presidente figurava entre os maiores alvos de críticas de ambientalistas e países comprometidos com a agenda.
Lula na COP 27 e a chance que o Brasil quase perdeu
Diante da vitória eleitoral de Lula no dia 30 de outubro, o presidente eleito foi convidado a COP 27 pelo presidente do Egito, Abdel Fatah al-Sissi, anfitrião do evento. O comparecimento de Lula é uma forma de refrear eventuais contestações do resultado eleitoral, uma vez que poucos fatos possuem maior poder de legitimação do que o comparecimento a um evento internacional de grande porte e importância, como uma COP. Além disso, a expectativa era de um novo e contundente posicionamento brasileiro no que tange a agenda climática.
Lula não decepcionou. Em seu discurso, preconizou a volta do país a uma posição de protagonismo nas discussões climáticas internacionais e a volta da questão ambiental a uma posição de protagonismo na agenda do governo.
O Brasil não é e não será uma potência nuclear ou militar. Também não é um ator incontornável em discussões econômicas. No entanto, talvez seja possível argumentar que existem duas agendas que, se ainda não lograram o status de high politics, ou seja, uma posição de primeira importância para os atores internacionais, provavelmente irão conquistar esse status muito em breve. Essas agendas são: segurança climática e segurança alimentar. Aqui, o Brasil pode se tornar um ator incontornável, talvez até mesmo uma potência no que diz respeito aos temas.
O Brasil é líder em exportações líquidas de alimentos. Em 2021, o país foi o maior exportador mundial de soja; terceiro maior na exportação de milho e feijão, além de líder na exportação de carne bovina. Contudo, apesar dessas conquistas, Bolsonaro deixará ao próximo governo a herança de 33 milhões de brasileiros que não têm garantido o que comer. A Amazônia, maior floresta tropical do mundo, possui 60% do seu território localizado no Brasil, mas, durante o governo Bolsonaro, o desmatamento da floresta disparou.
Em seu discurso, Lula deixou claro ter percebido as potencialidades do país e suas contradições. O presidente eleito anunciou: “o combate à mudança climática terá o mais alto perfil na estrutura de meu governo”. Também afirmou que “temos 30 milhões de hectares de terras degradadas. Temos conhecimento tecnológico para torná-las agricultáveis. Não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para continuarmos a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo.”
O Brasil quase perdeu a oportunidade de liderar discussões nas quais ele é um ator incontornável. Essas ocasiões não aparecem com frequência para países em desenvolvimento e não é possível liderar discussões climáticas e exibir recordes no desmatamento, nem liderar discussões de segurança alimentar com milhões de famintos. Para uma política externa vitoriosa, é preciso que a política doméstica reflita essas pretensões de liderança. A presença de Lula na COP não foi nada além de uma importante sinalização. Existe uma posição internacional privilegiada que espera um Brasil sem Bolsonaro, mas para que o país alcance-a terá de se empenhar em um árduo processo de reconstrução da política doméstica e de sua imagem no mundo.