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img: Frank van Leersum/CC BY

Novo governo de Lula da Silva: da posse e do receio golpista ao otimismo internacional

13/02/2023

Bruno Santos Fonseca, investigador doutorando do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA)

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou posse como presidente da República Federativa do Brasil em 1.º de janeiro de 2023 e a reação, interna e externa, foi de se observar: internamente, assistiu-se a uma sociedade ainda marcada pela polarização e, em contraponto, a tomada de posse de Lula da Silva como novo líder do país transfigurou-se, a nível internacional, como um retomar das relações externas com o mundo.

1.º de janeiro

A cerimônia de posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República Federativa do Brasil e de Geraldo Alckmin (PSB) como vice-presidente decorreu em 1.º de janeiro de 2023 com um grande plano de segurança sentido na capital do país, Brasília. A posse caracterizou-se, segundo as palavras de Lula, como uma demonstração de “uma grande festa popular”, apesar de todo o roteiro cerimonial ter mantido a sua tradição institucional: desde apresentações musicais na Esplanada dos Ministérios, passando pela cerimônia religiosa na Catedral Metropolitana de Brasília e subsequente desfile dentro do tradicional Rolls-Royce da presidência pela Praça dos Três Poderes, até chegar ao Congresso Nacional, momento em que Lula da Silva proferiu um discurso no qual adotou um tom mais agregador para uma sociedade polarizada. 

Durante o discurso, posterior à assinatura do termo de posse e do juramento à Constituição brasileira, o novo presidente da República, qualificando a sua vitória em outubro de 2022, referiu que “foi a democracia a grande vitoriosa” sobretudo contra as ameaças, as mentiras, o ódio e a manipulação mobilizados contra a sociedade brasileira no mandato anterior – anos em que houve a ressurgência ou o agravamento de problemas nacionais, como a fome e a miséria, aos quais Lula, segundo fala sua, cogitou nunca mais aludir enquanto presidente. Lula também reforçou a direção e os pilares que guiarão as políticas do seu governo: a defesa e salvaguarda dos direitos e interesses da população; o fortalecimento da democracia e seus princípios constitucionais; e a retomada da soberania nacional. Com efeito, esses mesmos preceitos estarão alicerçados numa sociedade cujo desafio será manifestado na superação de conflitos, da desigualdade, da fome e da crise climática (com foco na proteção da Amazônia). Em seguida ao seu discurso, o novo presidente seguiu para o Palácio do Planalto a fim de receber a faixa presidencial, não por parte do presidente cessante, Jair Messias Bolsonaro, nem por parte do ex-vice-presidente, Hamilton Mourão (ambos se recusaram a participar da cerimônia de passagem da faixa), mas antes pelas mãos de pessoas comuns.

Quando Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto, fez-se acompanhar de oito pessoas que representaram a diversidade da sociedade brasileira, tornando a entrega da faixa presidencial em um ato carregado de simbolismo. A faixa foi entregue ao novo presidente brasileiro por Aline Sousa, uma mulher negra e catadora de materiais recicláveis, após passar pelas mãos de cada um dos outros representantes da sociedade: Francisco Nascimento, uma criança; Raoni Metuktire, líder indígena e defensor da Floresta Amazônica e dos seus povos; Ivan Baron, influencer e jovem de referência na luta anticapacitista pelas próprias dificuldades advindas da paralisia cerebral; Flávio Pereira, artesão e apoiante presente na vigília “Lula Livre”, ocorrida na cidade de Curitiba, enquanto Lula esteve preso; Jucimara dos Santos, cozinheira e voluntária durante a mesma vigília da qual Flávio Pereira participava; Murilo Jesus, professor e defensor da importância das Letras no desenvolvimento da sociedade; e Weslley Rocha, metalúrgico do ABC Paulista e rosto do auxílio que recebeu para se formar no ensino superior, o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES).

8 de janeiro: ataque aos Três Poderes

No dia 8 de janeiro, o mundo assistiu a cenas que remeteram ao que sucedeu no ataque ao Capitólio dos Estados Unidos, em janeiro de 2021; mas, desta vez, o alvo foi o centro dos Três Poderes na capital brasileira. O Congresso Nacional (Legislativo), o Supremo Tribunal Federal (Judiciário) e o Palácio do Planalto (Executivo) foram invadidos e vandalizados por apoiantes do ex-presidente Jair Bolsonaro, os quais exigiram uma intervenção imediata por não concordarem ou aceitarem os resultados da eleição e consequente posse de Lula da Silva como novo presidente brasileiro. Posteriormente, e só com o decreto presidencial de intervenção federal para garantir a segurança em Brasília, as forças policiais retomaram os locais atingidos pelos apoiantes de Bolsonaro. Iniciou-se imediatamente o debate público e político, interno e externo, dos atos terroristas ocorridos, permitindo, por um lado, reafirmar a governabilidade e legitimidade de Lula e, por outro, como mencionou o jornalista brasileiro Thomas Traumann ao Americas Quartely: uma “oportunidade de Lula expandir o seu poder, encurralando o bolsonarismo” no país. 

As reações externas não se fizeram esperar, desde logo, em apoio manifesto à proteção da democracia brasileira e censurando os atos terroristas sucedidos nas sedes de poder em Brasília pelos apoiantes de Bolsonaro. António Guterres, secretário-geral da ONU, condenou o ataque às instituições democráticas, reafirmando que “a vontade do povo brasileiro e das instituições do país deve ser respeitada”. Na mesma linha, o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, caracterizou os ataques como ilegais e levados a cabo por extremistas violentos, concluindo com o reforço do total apoio da União Europeia na proteção da democracia brasileira, a qual, alegou, prevalecerá sobre a violência e o extremismo. Pela mesma razão, e indo ao encontro da reação da maioria dos líderes mundiais, João Gomes Cravinho, ministro português para as relações exteriores (Negócios Estrangeiros), apontou a “responsabilidade” do ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, devido à voz que este nutriu e fez ecoar nos “manifestantes antidemocráticos”.

Governo brasileiro em 2023: reações de otimismo internacional

A comunidade internacional reagiu de forma otimista à eleição e posse de Lula da Silva, sobretudo pelo retorno e reconquista de uma ação governativa do Brasil mais observável no palco da política mundial – da luta contra as alterações climáticas e defesa dos direitos humanos, aliadas ao crescimento e desenvolvimento econômico. O governo de Lula terá de conciliar as ameaças democráticas a suceder no seio de uma sociedade polarizada, com uma ação governativa que sane tensões internas e que reaproxime o Brasil do mundo. Nesse sentido, as reações da comunidade internacional são um “medidor” de confiança do novo governo brasileiro. Antony Blinken, secretário de Estado dos Estados Unidos, referiu esperar “continuar a forte parceria EUA-Brasil no comércio, segurança, sustentabilidade, inovação e inclusão”, na qual o ambiente e o combate ao desmatamento da floresta Amazônica voltaram a estar protegidos e serão pontos de união com os parceiros externos – o que representará, simultaneamente, uma tarefa e desafio extremadamente complexo durante o terceiro mandato de Lula da Silva. Do mesmo modo e em consonância com a abertura do Brasil ao mundo, o presidente francês, Emmanuel Macron, aludiu para o fato de a vitória de Lula ter proporcionado o início da elaboração de “uma nova página” na história do país e do mundo – especialmente no que diz respeito à proteção ambiental, muitas vezes exposta pelos líderes e governantes mundiais para esta nova fase política brasileira. De fato, Lula iniciou o seu mandato com um número de medidas por forma a tentar restaurar e recuperar o tempo perdido nos últimos anos de governo Bolsonaro: reativou o autorização do Ibama para o combate ao desmatamento ilegal; revogou políticas de incentivo ao garimpo ilegal e à depredação de recursos naturais; descongelou o fundo Amazônia, financiado pela Alemanha e pela Noruega (possui cerca de US$600 milhões) e que permite apoiar projetos de sustentabilidade; reaproximou-se já de parceiros internacionais como a União Europeia, cujo acordo comercial Mercosul-UE espera-se que seja ratificado ainda durante o presente ano; entre outras medidas que, a curto e médio prazo, permitirão ao Brasil uma retomada concreta ao cenário internacional, consolidando-se externa e internamente.