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img: Pedro França/Agência Senado/CC BY

As eleições para a presidência da Câmara dos Deputados: histórico e efeitos

17/03/2023

Bruno Marques Schaefer, Doutor em Ciência Política (UFRGS)

Uma das principais eleições brasileiras foi realizada após o pleito presidencial, no dia primeiro de fevereiro deste ano, com a presença de uma parcela diminuta do eleitorado nacional (513 eleitores). Esta foi a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, que reconduziu Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Casa com uma votação histórica (464 votos, ou mais de 90% dos eleitores). 

O presidente da Câmara possui enormes poderes para a condução da República brasileira. Entre suas atribuições está a condução dos trabalhos legislativos, a colocação (ou não) de propostas de lei em pauta para votação, bem como a possibilidade de aceitar o processo de impeachment do presidente. Neste texto, trato de como foi esta eleição, um pouco do histórico deste processo na Nova República (1985-2021), e quais são os principais desafios para a relação Executivo-Legislativo nestes próximos anos.

Como se escolhe o presidente da Câmara?

Conforme o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (Art. 7º), a eleição da presidência da Câmara e sua Mesa Diretora (Vice-Presidentes, Secretários e Suplentes): “(…) far-se-á em votação por escrutínio secreto e pelo sistema eletrônico, exigido maioria absoluta de votos, em primeiro escrutínio, maioria simples, em segundo escrutínio, presente a maioria absoluta dos Deputados (…)”. Ou seja, garantidas a maioria absoluta dos eleitores (257), há uma votação em primeiro turno, caso nenhum candidato alcance a maioria absoluta (ao menos 257), há um segundo turno, em que o candidato com maior número de votos conquistados por maioria simples (metade dos presentes + 1) é declarado presidente. As eleições são realizadas no início de cada Legislatura e no meio, ou seja, são feitas de dois em dois anos.

É interessante notar que os outros cargos da Mesa Diretora, que auxilia o presidente na condução dos trabalhos legislativos, também são escolhidos através do mesmo processo de eleição: primeiro e segundo vice-presidentes e quatro secretários. Usualmente, os candidatos vitoriosos fazem parte da “chapa” do candidato à presidência, através de acordos entre bancadas partidárias. A Mesa Diretora eleita em 2023, por exemplo, é composta por seis partidos (cada um com uma das vagas), representa o bloco que apoiou Arthur Lira (com 20 partidos). Para se ter noção da amplitude do acordo, a Mesa Diretora terá, para o biênio 2023-2024, Maria do Rosário (PT-RS), como segunda secretária, e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), na 2ª Vice-Presidência. Ou seja, adversários no pleito presidencial, estarão juntos na administração dos trabalhos da Casa. 

Um Histórico das Eleições

Se considerarmos como o início da Nova República a eleição do primeiro presidente civil (ainda que de maneira indireta) após a Ditadura Militar, estabelecemos um recorte temporal de 1985 até 2023 como período de análise. Neste período, houveram 21 eleições para a Câmara. Neste ínterim, pode-se observar um domínio tanto partidário quanto regional sobre o cargo. O MDB elegeu 8 presidentes, DEM/PFL 5 e PT e PP 3 cada. Em termos regionais, os estados com maior representação foram São Paulo (7), Rio de Janeiro (4), Pernambuco (2), Rio Grande do Sul e Alagoas (2). Apenas oito estados da Federação tiveram seus representantes no cargo mais elevado da Câmara, sendo que as regiões Norte e Centro-Oeste não tiveram nenhum.

Alguns nomes se repetem ao longo do tempo. É importante lembrar que o Regimento Interno da Câmara, alinhado à Constituição de 1988, não permite a reeleição do presidente durante a mesma Legislatura. Este ponto foi disputado no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020, para permitir a reeleição de Rodrigo Maia, mas a interpretação da Corte foi de encontro ao estabelecido na Carta Magna. No entanto, a reeleição em Legislaturas distintas é permitida, assim como nova eleição do mesmo nome. Michel Temer (PMDB-SP), por exemplo, foi duas vezes eleito presidente da Câmara, Ulysses Guimarães (PMDB-SP) também. Marco Maia (PT-RS) assumiu como interino em 2010 (fim da 53ª Legislatura), e foi eleito presidente no início da 54ª Legislatura (2011). Rodrigo Maia, por sua vez, foi eleito para um “mandato tampão” em 2016 (55ª Legislatura), reconduzido em 2017 e eleito novamente em 2019 (56ª Legislatura). Cabe ressaltar que pela importância do cargo para o andamento dos trabalhos legislativos e, por consequência, da agenda presidencial, essas eleições são marcadas também pela influência do Executivo. Ou seja, há interesse de que o presidente seja de um partido da base aliada e que auxilie a presidência em passar, ou reter, legislação. De outro lado, pesquisas na Ciência Política, demonstram que os principais cargos da Câmara (presidente, membros da Mesa Diretora, presidentes de comissões temáticas e líderes partidários) tendem a ser mais experientes (com carreiras políticas mais extensas) que os demais membros da Casa. O conhecimento, expertise, de como se dão os processos no interior da Câmara é determinante para uma vitória. Silva Jr et al (2013), por exemplo, demonstram que candidatos à Mesa Diretora com expertise (medida como o número de mandatos na Câmara, ocupação de outros cargos eletivos e ser incumbente) aumentam em 219% a chance de vitória.

Desde a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002, 13 eleições presidenciais da Câmara foram realizadas. Quase todos eleitos faziam – formalmente – parte da base de sustentação do governo federal: excetuando o próprio Arthur Lira agora em 2023, e o caso de Eduardo Cunha que, apesar de ser do PMDB, partido do vice-presidente, deu início ao processo de impeachment da presidente que apoiava. Na maioria dos casos, presidentes são eleitos em primeiro turno (9 dos 13 casos). A média de vitória foi de 62% do Plenário, variando de 90,44% de Arthur Lira até 50,88% de Arlindo Chinaglia. Em termos do número de partidos apoiando os candidatos, o número varia de 20 no caso de Marco Maia e Arthur Lira até zero no caso de Severino Cavalcanti. O candidato foi eleito como independente, uma exceção à regra. É necessário pontuar que como o voto é secreto, existe a possibilidade de “traições” de deputados. Ou seja, o apoio formal dos partidos pode não significar que toda bancada apoie determinado candidato.    

Desafios: comissões e arranjos partidários

Desde a nova vitória, em outubro de 2022, o presidente Lula tem buscado não antagonizar com Lira. O presidente da República, e seu partido, não lançaram candidato a disputa para a presidência da Casa e compuseram o bloco de apoio da reeleição. A situação de dependência do governo em relação a Lira será extremamente tênue, dado que Lula não articulou uma base de apoio majoritária na Câmara dos Deputados. As eleições de 2022 levaram a Câmara ainda mais para a direita, o que tornará a aprovação de projetos de interesse do governo possivelmente custosos. O caso de alterações constitucionais, por exemplo, leva a necessidade da conquista de 308 votos; o governo, nas contas mais otimistas, possui 228 votos. Outro ponto importante, além das votações, é a distribuição de poder no interior da Câmara. Lira, como foi bastante divulgado na mídia, havia feito um acordo com diversos partidos para distribuir comissões permanentes a essas agremiações, como a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) para o PT. No entanto, o presidente da Câmara se vale do Regimento para alterar alguns dos pontos dos acordos. Como cada comissão, seja permanente seja de inquérito (CPI), deve representar o peso dos partidos ou blocos no Plenário, e o bloco formado por Lira era composto por 20 partidos (praticamente toda a Câmara), será Lira quem terá poder de decisão sobre a composição de colegiados e suas presidências. Este poder, como argumentado por Bruno Carazza, não foi gozado por nenhum presidente da Câmara, nem mesmo o próprio Eduardo Cunha. Esta concentração do poder decisório para o Legislativo possui explicações conjunturais (o perfil da liderança de uma figura como Lira), como também estruturais. Como já demonstrado em alguns estudos de Ciência Política, o Legislativo brasileiro tem se tornado cada vez mais protagonista na elaboração, veto e reformulação de políticas públicas. A ver como serão os próximos quatro anos.