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img: Jeso Carneiro/CC BY

Após o 8 de janeiro: o futuro político e jurídico de Bolsonaro

08/02/2023

Giovanna Macieira Rosario, Mestranda em Relações Internacionais (IRI-USP)

Após a derrota eleitoral em outubro de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que alguns apontavam como provável líder da oposição ao governo Lula, transformou-se em um grande inconveniente para o Partido Liberal (PL) e para aqueles que ansiavam um governo Lula paralizado diante da oposição bolsonarista. Os atos antidemocráticos do 8 de janeiro não somente simbolizam o fracasso, ao menos no curto-prazo, do bolsonarismo enquanto oposição institucional, mas também fazem do futuro político de Bolsonaro uma grande incógnita.

Bolsonaro optou pelo silêncio após derrota eleitoral, somado a esparsas mensagens de desconfiança em relação ao sistema eleitoral brasileiro e a uma representação do PL no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a fim de reverter o resultado das urnas. Todos esses eventos não exitosos serviram apenas para importunar o partido do ex-presidente e aliados eleitos para o Congresso.

Se em seu primeiro discurso após a derrota, Bolsonaro ainda esboçava a intenção de liderar a oposição ao governo Lula e a direita brasileira ao afirmar que seria “uma honra ser o líder de milhões de brasileiros que defendem pautas como a liberdade econômica e as cores verde e amarela”, os fatos que se seguiram indicam uma pretensão de recolhimento de Bolsonaro a sua base de apoiadores mais fiéis. A fuga para os Estados Unidos e o compartilhamento de um vídeo que levantava dúvidas sobre o processo eleitoral brasileiro logo após os atos antidemocráticos do 8 de janeiro são apenas dois exemplos da ausência de vontade, por parte de Bolsonaro, de atuar como líder da oposição por vias institucionais. Além disso, ainda que essa vontade existisse, os atos golpistas do dia 8 de janeiro e a postura de Bolsonaro diante dos acontecimentos poderiam inviabilizá-lo politicamente e judicialmente.

As possíveis consequências políticas

O espaço para a formação de uma direita não-bolsonarista no Congresso brasileiro encontra-se levemente aberto após o dia 8 de janeiro. Apesar do sucesso eleitoral do bolsonarismo para o Legislativo, o movimento carece de uma estrutura partidária forte e o custo de uma adesão aberta ao bolsonarismo ficou mais alto após a invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes, ao menos para políticos que se auto localizam na centro-direito ou na direita democrática. 

O enfraquecimento do bolsonarismo é uma hipótese razoável para a dinâmica de competição política nacional nos próximos anos, afinal, um movimento personalista dificilmente resiste à perda de protagonismo de seu líder. Politicamente, Bolsonaro tornou-se um fardo para a oposição ao governo Lula

Em primeiro lugar, porque a Câmara dos Deputados e o Senado continuarão a ser presididos por dois políticos que não encontraram dificuldades para se afastarem do bolsonarismo, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, respectivamente. Lira, que esteve mais alinhado ao bolsonarismo, não viu problemas em trabalhar com o governo Lula a fim de garantir a presidência da Câmara. O presidente do Senado, por sua vez, fez esse movimento de forma ainda mais contundente, ao sugerir que as atitudes de Bolsonaro teriam estimulado a radicalização de seus apoiadores que promoveram a vandalização das sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro. 

Nesse cenário, não será surpresa se muitos dos congressistas eleitos pelo bolsonarismo optarem por abandonar o movimento em função de estratégias políticas pessoais. Afinal, por que sacrificar verbas em nome de um projeto político cujo líder optou por deixar o país? 

Contudo, é necessário pontuar que o enfraquecimento político de Bolsonaro não implica em um enfraquecimento automático da extrema-direita no longo-prazo. Afinal, não existem espaços vazios na política e certamente não faltam pretendentes para liderar a extrema-direita que se institucionalizou no Brasil ao ocupar cargos legislativos e executivos estaduais. Romeu Zema, governador de Minas Gerais, segundo maior estado em número de habitantes, se prontificou a assumir um discurso tipicamente bolsonarista após o 8 de janeiro, ao insinuar que o governo Lula poderia ter feito “vista grossa para que o pior acontecesse e ele se fizesse, posteriormente, de vítima”.

Portanto, uma possível ausência de Bolsonaro, ainda que temporária, não significa uma ausência de protagonismo da extrema-direita brasileira. Existem políticos dispostos a liderá-la e uma suposta ascensão da direita democrática à protagonista da oposição ao governo Lula depende de fatores que vão além da inviabilidade política de Bolsonaro.

As possíveis consequências jurídicas

Se politicamente Bolsonaro não tem tido êxito após sua derrota eleitoral, o ex-presidente tampouco tem logrado algum tipo de tranquilidade do ponto de vista jurídico, principalmente após os atos democráticos do dia 8 de janeiro. Após a detenção de parte dos executores do vandalismo, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu uma série de inquéritos a fim de identificar também os financiadores, autores intelectuais, instigadores e autoridades públicas envolvidas nos atos.

A pedido da Procuradoria-Geral da União (PGR), Bolsonaro foi incluído no inquérito que objetiva investigar os autores intelectuais do 8 de janeiro. O pedido do órgão chefiado por Augusto Aras, criticado por evitar investigações que envolvessem o ex-presidente, surgiu a partir de uma representação assinada por 80 integrantes do Ministério Público Federal (MPF).  No documento, os procuradores ressaltam que atos e falas de Bolsonaro que visavam deslegitimar o processo eleitoral brasileiro “contribuíram para que a confiança de boa parte da população na integridade cívica brasileira fosse minada”.

Ademais, também constitui um potencial empecilho jurídico para Bolsonaro a descoberta da chamada “minuta do golpe” na casa de Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal suspeito de omissão proposital no dia 8 de janeiro e ex-Ministro da Justiça do governo Bolsonaro. O documento consiste em uma proposta de decreto de instauração de estado de defesa na sede do TSE a fim de reverter o resultado eleitoral que consagrou o atual presidente Lula e pode representar um novo indício jurídico contra Bolsonaro.

Diante disso, é possível notar que não faltam caminhos para Bolsonaro tornar-se inelegível pela lei. Afinal, além dos inquéritos dos atos antidemocráticos, Bolsonaro pode continuar a ser investigado, agora sem foro privilegiado, no âmbito dos inquéritos sobre: divulgação de notícias falsas sobre a vacina contra covid-19; vazamento de dados sigilosos de ataque ao TSE; ataques e notícias falsas contra ministros do STF e, por fim, interferência na Polícia Federal.

Ou seja, ainda que o ex-presidente permaneça politicamente viável, o que não é um consenso, os inquéritos e processos judiciais que certamente irão tramitar com maior celeridade após os atos democráticos compõem um cenário permeado por obstáculos jurídicos ao futuro político de Bolsonaro. Sendo assim, não será surpresa se o ex-presidente insistir em se recolher para sua base de apoiadores já radicalizados. Inclusive, é possível que sua relutância em retornar ao Brasil seja um reflexo dessa preferência pela reclusão.