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img: Mapbox/CC BY

Desmatamento, política climática e eleições

07/12/2022

Bruno Marques Schaefer, Doutor em Ciência Política (UFRGS)

Nas eleições presidenciais brasileiras de 2022, bem como os dias posteriores ao resultado (em especial a presença do vitorioso Luiz Inácio Lula da Silva na COP27), o tema ambiental apareceu com maior vigor do que em outros pleitos

No rescaldo da gestão Bolsonaro (2019-2022), em que o desmatamento voltou a crescer a números recordes, órgãos ambientais de fiscalização foram desmontados, políticas inócuas foram realizadas (caso do Conselho da Amazônia), e o Brasil tornou-se um pária internacional no quesito governança ambiental, as movimentações do governo de transição levam a crer que a nova gestão terá atuação mais decisiva no tema ambiental. 

O discurso de Lula na COP27, realizada no Egito, demonstra um compromisso maior com a agenda climática, a questão da preservação da Amazônia e dos povos originários, bem como pressões para que países desenvolvidos cumpram a sua parte em acordos anteriores e auxiliem países em desenvolvimento no combate a crise climática

É interessante que essa ênfase do presidente na agenda ambiental e climática não só marca uma ruptura com o governo anterior, mas também com os próprios governos petistas que, desde o segundo governo Lula, investiram em grandes projetos de infraestrutura que acabaram prejudicando a pauta ambiental, em geral, e também a questão da preservação da Amazônia (o caso da hidrelétrica de Belo Monte talvez seja um dos casos mais visíveis). O conflito entre desenvolvimentistas e ambientalistas no segundo governo Lula (2007-2010), simbolizado pelas então ministras Dilma Rousseff e Marina Silva, respectivamente, marcou a vitória do primeiro grupo. 

Neste texto, trato dos desafios em relação a agenda ambiental do próximo governo com especial destaque para a Amazônia. Em específico, destaco a relação entre o desmatamento e as forças políticas da região que em 2022, majoritariamente, se inclinaram contra a agenda ambiental, votando em peso em Bolsonaro. 

Desmatamento na Amazônia Legal

Nove estados brasileiros compõem a região da Amazônia Legal (Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão). O nível de conservação do bioma, a ocupação do espaço e o tipo de atividade econômica variam enormemente ao longo deste território. 

Conforme dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que, desde 1988, realiza o monitoramento do desmatamento da Amazônia via satélite, já foram desmatados 813.063,44 km2 do bioma neste período (mais do que o dobro do território alemão). Na década de 90, em média mais de 15 mil quilômetros quadrados da floresta eram perdidos, chegando ao pico de 28 mil quilômetros quadrados em 1995. 

Nos anos 2000, já no governo Lula, há um novo pico do desmatamento em 2004 (em torno de 27 mil quilômetros quadrados). A partir deste resultado, o governo, especialmente o Ministério do Meio Ambiente através de Marina Silva, realiza uma série de ações articuladas no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Uma das políticas públicas mais bem-sucedidas do governo, não só na área ambiental, o PPCDAm juntou ações como: monitoramento em tempo real, via satélite, de áreas desmatadas e/ou objeto de queimadas; criação de unidades de conservação ambiental; demarcação de terras indígenas; regularização fundiária; combate ao desmatamento através da ação de diversas autarquias como IBAMA, Polícia Federal, Força Nacional de Segurança Pública e até o Exército, entre outras. Diferentes avaliações de impacto indicaram o efeito positivo do Plano. Em 2012, por exemplo, a área desmatada da Amazônia foi de 4,5 mil quilômetros quadrados, uma redução significativa.

O desmatamento da floresta Amazônica possui causas e consequências bastante estudadas. A perda do bioma original tem o efeito imediato local de perda da biodiversidade, desequilíbrio do ecossistema, perda de culturas e subsistência de populações locais, como os povos originários e os povos da floresta; bem como, em nível nacional e global, altera o regime de chuvas (o que impacta o agronegócio no centro-oeste e sul do país), pode auxiliar na elevação da temperatura (aquecimento global), entre outras diversas consequências. A principal causa do desmatamento, por sua vez, é a ação antrópica, seja para exploração da madeira como recurso econômica, seja para prática da pecuária e da agricultura (em especial a plantação de soja). Nos últimos anos, em especial a partir do governo Bolsonaro, as áreas de mineração ilegal e garimpo também se expandiram no bioma, afetando a floresta e aumentando os conflitos fundiários. Em especial com a invasão de terras indígenas

O papel da bancada ruralista

É interessante perceber que após a aplicação do PPCDAm há uma reação dos setores ruralistas, justamente beneficiados pela exploração do bioma. A bancada ruralista (oficialmente Frente Parlamentar Agropecuária), organização parlamentar, multipartidária, de defesa dos interesses do setor do agronegócio passa de 120 congressistas eleitos em 2006 (104 deputados federais e 16 senadores) para 160 congressistas em 2010 (142 deputados e 18 senadores). 

Inclusive é na 54ª Legislatura (2011-2015) que a bancada ruralista conquista uma de suas maiores vitórias nos últimos anos: a aprovação do novo código florestal (lei federal nº 12.651/2012). A lei, que revoga o código florestal de 1965, altera de maneira significativa o tamanho das áreas de preservação, seja em terras públicas ou privadas, bem como “anistia” produtores rurais que haviam desmatado áreas de preservação no período anterior à lei (até 2008). Esse trecho da lei foi vetado pela presidente Dilma Rousseff, mas o veto foi derrubado no Congresso Nacional. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal declarou a anistia como constitucional, desde que os produtores rurais se comprometessem à recuperar parte das áreas desmatadas

Desde a votação da lei, diversas foram as iniciativas da bancada ruralista para alterar o regramento ambiental do Brasil, considerado por esses atores como impeditivo ao desenvolvimento econômico (ponto refutado empiricamente por diversas pesquisas). 

A ideia do estabelecimento de um marco temporal para demarcação de terras indígenas (somente aquelas terras ocupadas por povos originários até 1988 poderiam ser requeridas); mudanças (flexibilização) na legislação sobre trabalho escravo; mudança de critérios para demarcação de terras indígenas e quilombolas; autorização para mineração de terras indígenas; regularização de propriedades invadidas; autofiscalização para produtores rurais, entre outras tantas iniciativas. No governo Bolsonaro, a influência desses parlamentares se deu pela escolha de Teresa Cristina como Ministra da Agricultura (então no DEM-MS), uma das representantes da bancada ruralista; e a escolha de Ricardo Salles (então no NOVO-SP) para o Ministério do Meio-Ambiente. Salles foi primordial para o desmonte de órgãos de proteção ambiental (como IBAMA e ICMBIO), e a edição de portarias (medidas administrativas) que liberaram agrotóxicos, incentivaram a grilagem de terras e aumentaram o desmatamento em mais de 50% em quatro anos. Acabou saindo do governo em meio a denúncias de corrupção, mas foi eleito deputado federal em votação recorde pelo estado de São Paulo.

Para além da atuação nacional da bancada ruralista, mais alinhada a partidos de direita (mas com representantes de outros espectros ideológicos), é interessante observar os resultados eleitorais nos estados da Amazônia Legal. Em 2022, todos os governadores eleitos naqueles estados (excetuando os casos de Pará, Amapá e Maranhão) estavam alinhados ao governo Bolsonaro. Rondônia, por exemplo, foi a única unidade da federação em que Bolsonaro venceu em todos os municípios. As vitórias do então presidente ocorreram em todos os estados no segundo turno (menos Pará e Maranhão). Nos estados do bioma, partidos de direita elegeram mais de 60% dos deputados estaduais. 

O caso do Acre

Esse cenário demonstra, em primeiro lugar, dificuldades para a agenda ambiental ao nível subnacional. E, em segundo lugar, a própria consolidação de um discurso anti-ambiental, ou anti-conservação, na região. O caso do Acre é bastante significativo. O estado foi o centro do debate ambientalista no Brasil a partir dos anos 80, com as figuras de Chico Mendes e Marina Silva, sendo governado pelo Partido dos Trabalhadores por 20 anos (de 1998 até 2018). O governo, baseado no princípio de “florestania”: proposta de assegurar políticas de geração de renda sustentável e serviços públicos para as comunidades da floresta, conciliando crescimento com a preservação da floresta Amazônica, foi “varrido” do mapa em 2018. O partido perdeu as eleições para o governo estadual, Senado, não elegeu nenhum deputado federal (das oito vagas possíveis) e apenas dois deputados estaduais (dos 24). Em 2022 o resultado foi ainda pior (derrotas em todos os níveis de disputa: governador, senador, deputados federais e estaduais). O partido não conquistou nenhum cargo eletivo em disputa. Em outros estados, como Rondônia, Amazonas e Tocantins, essa representação é mínima (apenas um deputado estadual). 

Os resultados eleitorais de 22 demonstram que, por um lado, vence um governo federal com um discurso ambientalista, que se pretende liderança global na discussão climática; e, por outro, a bancada ruralista e, sobretudo, ruralistas nos estados mantém uma força considerável. A conciliação de interesses em um contexto de possível conflito entre esferas de governo será essencial para a retomada do combate ao desmatamento. Após a COP27 parece que essa conciliação é possível, na medida em que governadores então “bolsonaristas” como Mauro Mendes (União Brasil), de Mato Grosso parecem dispostos a conversar com o presidente eleito. O cenário, porém, é de grande incerteza.