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Fake news e comportamento eleitoral

04/10/2022

Bruno Marques Schaefer, Doutor em Ciência Política (UFRGS)

Desde ao menos 2016, com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, um termo ganhou notoriedade, na disputa política-eleitoral e na opinião pública de maneira mais ampla: Fake News (Notícias Falsas). Utilizada, por vezes, como arma discursiva: um candidato afirma que outro está “fazendo” Fake News, ou mesmo como um recurso de campanha (disparos em massa no whatsapp, uso de blogs ou canais alternativos de informação), as notícias falsas tornaram-se um ponto importante do debate sobre política no Brasil e no mundo. Tanto em termos de discussão conceitual e mensuração, quanto nas tentativas de regulamentar e punir seu uso. Neste texto, trato do tema a partir de estudos realizados recentemente que buscam investigar os efeitos das Fake News sobre comportamento eleitoral e seus antídotos mais eficientes.

Um primeiro ponto a ser colocado aqui é uma distinção teórica: notícias falsas, ou contendo meias verdades, são comuns na produção jornalística. Por vezes, uma fonte pode estar enganada e/ou jornalistas publicam informações sem o devido check. Neste caso, temos má-informação. Fake News, ou campanhas de desinformação, se diferenciam deste primeiro caso por sua intencionalidade. São informações falsas, ou distorcidas, que foram “pensadas” por alguém ou um grupo e disseminadas com o objetivo claro de desinformar. Suas estratégias de distribuição envolvem disparos em massa em aplicativos como o Whatsapp e Telegram e/ou o uso de contas em outras redes sociais (como Twitter, Facebook, Instagram, entre outros). A partir de diferentes níveis de coordenação, é possível desviar a atenção do grupo mirado (target group), de um assunto (por exemplo, corrupção no governo), para outro (alegações de falhas no sistema de votação). No caso brasileiro, assim como outros países em desenvolvimento, a disseminação destas notícias e sua coordenação, como ficou claro no pleito de 2018, se dá por aplicativos de mensagens, sobretudo o Whatsapp.

O Whatsapp é um aplicativo de mensagens privadas que possibilita a comunicação entre pessoas ou grupos. Foi criado em 2009 e posteriormente comprado pelo Facebook (atual Meta), por cerca de 1,5 bilhão de dólares. Atualmente possui cerca de dois bilhões de usuários mensais mundialmente, sendo que sua cobertura nos telefones brasileiros é de 98,9%. Conforme dados do DataSenado, a partir de uma amostra representativa da população brasileira, 79% dos entrevistados utilizavam “sempre” o Whatsapp como forma de se informar sobre política. Conforme este mesmo critério, 50% dos entrevistados (principalmente idosos) utilizavam a televisão e apenas 8% jornais impressos. É importante ressaltar que as fontes de informação não são estanques, dado que muitas vezes o Whatsapp é utilizado para compartilhar links de jornais ou portais de notícias, bem como Fake News e outras formas de conteúdo. Machado et al (2019), por exemplo, analisaram mais de 40 mil links compartilhados em 130 grupos públicos (em que qualquer pessoa pode entrar a partir de um link) de Whatsapp durante as eleições presidenciais de 2018. Os autores identificam que 27,3% dos links eram de sites de notícias de jornalismo profissional, 13,1% eram de conteúdo explicitamente conspiratório e a maior parte dos links (mais de 40%) levava a plataformas como Youtube e Facebook. Destes, também grande parte do conteúdo era de desinformação. Sobretudo, pró-candidato do PSL (Jair Bolsonaro) e contra o PT e seu candidato (Fernando Haddad).

O fato das pessoas se informarem politicamente através do Whatsapp, ou outras redes sociais, e usualmente lerem apenas as manchetes de matérias, acaba enviesando o quanto de conhecimento eleitores “acham” que tem sobre política. Yamamoto et al (2018), por exemplo, testam a diferença (miscalibration) entre conhecimento factual e subjetivo sobre política a partir das fontes de informação. Os autores realizam um survey, com amostra representativa da população dos EUA, medindo conhecimento factual a partir de uma série de questões sobre a política americana no contexto da eleição de 2016 (quem era o candidato a vice na chapa de Clinton, na chapa de Trump, entre outras); conhecimento subjetivo a partir de uma bateria de questões sobre o quão bem informados os eleitores estariam sobre o pleito; e a miscalibration como a diferença entre as duas variáveis. Mesmo com uma série de controles (como idade, escolaridade, renda), o impacto de se informar sobre política a partir de aplicativos de mensagens (o Whatsapp incluso) é positivo e estatisticamente significativo sobre a miscalibration. Por sua vez, essa variável também é preditora de engajamento político online (participação em fóruns, compartilhamento de conteúdo) e off-line (participação em manifestações, abaixo-assinados, entre outros). Ou seja, as pessoas com maior gap informacional, que se informam por aplicativos de mensagens, também são as que mais participam da política. Esse ponto merece maior reflexão, dadas as consequências para o regime democrático.

A distribuição de Fake News e sua crença, no entanto, é um fenômeno complexo. Não se trata de dizer, por exemplo, que pessoas que recebem desinformação através do WhatsApp necessariamente vão acreditar na notícia. Essa visão acaba por considerar o/a eleitor/a como figura extremamente passiva. A crença possui relação com o que se chama na literatura, seja em psicologia social ou ciência política, viés de confirmação. Uma tendência dos indivíduos em buscar, ou sobrestimar, informações que estejam de acordo com crenças pré-estabelecidas. Como apontam Pereira et al (2022), no caso das eleições brasileiras de 2018, a maioria dos “crentes” de notícias falsas favoráveis ao então candidato Bolsonaro e contra o PT já se alinhavam, política e ideologicamente, a Bolsonaro e/ou contra o PT. Ou seja, uma notícia falsa, como a que a política de diversidade sexual nas escolas (pejorativamente chamada “kit gay”) levaria as crianças a mudar de sexo, reafirmava crenças em relação a valores já existentes e não necessariamente “convertia” eleitores de um campo político para outro.

A reafirmação de crenças, bem como o remetente da mensagem (se pelo WhatsApp, geralmente amigos, vizinhos ou familiares), demonstram o caráter relacional das Fake News. No agregado, o seu uso pode ter efeitos de longo prazo sobre, por exemplo: a desconfiança de eleitores sobre instituições políticas, mídia e o próprio regime democrático. Neste ambiente, as tentativas de combate a Fake News, e mesmo maior regulamentação das mídias sociais aonde estas circulam, ainda são incipientes no caso do Brasil. Após as eleições de 2018, com denúncias de disparos em massa de notícias falsas contra o candidato do PT (Haddad), ações foram tomadas a nível do Legislativo e do Judiciário. Por exemplo, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News foi instalada em 2019 no Congresso Nacional. A CPMI ouviu representantes de empresas de telefonia, de marketing digital, políticos, pesquisadores, jornalistas e organizações de fact-checking (checagem de informação). As audiências e discussões subsidiariam projetos de lei para o combate das Fake News (como o projeto de lei nº 2630/20, a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet), que ainda está em tramitação. O PL, por um lado, foi defendido como um esforço de punição a quem realiza campanhas de desinformação na internet, mas, por outro, foi criticado como possível restrição à liberdade de expressão. Há, no momento, mais de 50 projetos de lei tramitando no Congresso Nacional sobre o combate a Fake News, mas nenhum foi aprovado, dada a pandemia e o próprio período eleitoral, que modifica prioridades dos legisladores. A própria CPMI foi suspensa em março de 2020.

No Judiciário, o Tribunal Superior Eleitoral lançou, em 2020, o Programa de Enfrentamento a Desinformação, em uma série de ações coordenadas, tais como: parcerias com empresas de mídia e de fact-checking para retirada de conteúdos falsos da internet, indicação de selos sobre a veracidade de determinado vídeo ou notícia, um canal para tirar dúvidas dos eleitores no WhatsApp, entre outras. O Tribunal também cassou o mandato de um parlamentar que espalhou informações falsas sobre a urna eletrônica na eleição de 2022.

Sobre as várias medidas anunciadas, ainda há muita discussão na literatura sobre seus efeitos. Sanções eleitorais ou penais retiram candidatos da disputa eleitoral e do exercício do mandato, o que é objeto de controvérsias. Do lado dos eleitores, a checagem de informação apresenta resultados insipientes. Como informações falsas a favor de um candidato ativam vieses de confirmação, é difícil que um desmentido tenha efeito sobre a crença do eleitor. Bem como, esse tipo de checagem não tem o mesmo alcance que a própria desinformação. Pereira et al (2020), destacam como alternativa o uso da inoculação (vacina) contra Fake News. Os autores conduzem experimentos em survey, em parceria com uma empresa de pesquisas eleitorais e o jornal Folha de São Paulo, e encontram resultados positivos sobre a redução da crença em Fake News. A intervenção utilizada não visa checar informações falsas individualmente, mas convidava o respondente a conhecer o site de uma agência de checagem de fatos. Aqueles que foram designados ao tratamento (visitar o site) reduziram sua aceitação de rumores sobre candidatos a eleições locais e nacionais (o grupo de controle não foi convidado a conhecer o site). Esse tipo de intervenção preventiva, associada a medidas educativas, pode indicar caminhos para o combate a desinformação. O que não invalida outras medidas já tomadas no caso brasileiro.