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img: Frank van Leersum/CC BY

As relações exteriores do novo governo Lula: o que esperar?

13/01/2023

Bruno Santos Fonseca, investigador doutorando do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA)

As eleições presidenciais no Brasil, ocorridas em outubro de 2022, elegeram como presidente o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tomou posse neste 1.º de janeiro de 2023. Após a sua vitória no segundo turno, o processo de transição iniciou-se com o Gabinete de Transição Governamental, o qual analisou e definiu as linhas orientadoras sobre diversos temas e áreas de atuação – como as relações exteriores, que serão prioritárias na ação do novo governo.

Transição para o novo governo

Com o resultado do segundo turno, o processo de transição de governo iniciou-se com ações e iniciativas de análise sobre a realidade do país, por meio do Gabinete de Transição Governamental, instituído no dia 8 de novembro de 2022. Esse processo permitiu diagnosticar a situação, a atuação e o funcionamento dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública Federal brasileira, e todo o trabalho desenvolvido teve a sua conclusão com a publicação de um Relatório Final, apresentado em meados de dezembro, pouco antes da posse de Lula da Silva (PT) como presidente da República Federativa do Brasil. Por conseguinte, entre as várias áreas que foram alvo de análise, a dimensão das relações exteriores e do meio ambiente destacaram-se como pontos de convergência para a ação do novo governo brasileiro.

O objetivo do documento foi, primeiramente, apresentar os problemas de isolamento que caracterizaram a ação do anterior governo, liderado por Jair Bolsonaro (PL), que “afetou a imagem do país e prejudicou a capacidade brasileira de influir sobre temas da agenda global” – como a pandemia, o meio ambiente (desmatamento da Amazônia e mudanças climáticas) e os direitos humanos (igualdade de gênero e racial, violência e discriminação). Além disso, indicou os problemas de “instabilidade regional” pelo desmonte da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas), a saída da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e o desejo de desmantelamento do Mercosul. Diferentemente da ação nos últimos anos, o novo governo apresenta, como se verificou nos vislumbres do programa de governo para as eleições, os meandros e as diretrizes da nova política externa brasileira, a ser prosseguida durante o mandato do presidente Lula: aproximação aos parceiros regionais e internacionais e a retomada de um papel de protagonista no cenário político e econômico mundial.

No que concerne à dimensão ambiental, o Relatório Final do Gabinete de Transição caracteriza a atuação do governo anterior nessa área como um “processo inédito de intimidação”, no qual o desmantelamento de políticas públicas e de órgãos e instituições públicas e sociais impediu a persecução e defesa da preservação de dimensões correlatas ao meio ambiente. Simultaneamente, são notáveis as consequências de uma ação governativa e de política externa brasileira que levaram à “imposição de barreiras aos produtos brasileiros no comércio internacional”, provocando efeitos na credibilidade do Brasil a nível internacional.

Em particular, ocorreram atrasos significativos na conclusão de acordos comerciais internacionais, a exemplo do impasse no acordo Mercosul-UE e da paralisação do Fundo Amazônia, em que países como Noruega e Alemanha contribuíam com somas significativas para o combate do desmatamento da Floresta Amazônica: cerca de R$ 3,3 bilhões foram bloqueados em 2019, de acordo com o relatório. Em contraponto, com a eleição de Lula da Silva, a Noruega e a Alemanha já vieram demonstrar o seu desejo em voltar a investir no fundo, permitindo, assim, o financiamento de diversos órgãos e instituições, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis.

Ministério-chave: Relações Exteriores

Mauro Vieira, o novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, foi empossado no dia 2 de janeiro de 2023 como membro integrante do novo governo e é considerado na imprensa como “um dos diplomatas mais experientes do Itamaraty”, não só pelo seu percurso na carreira diplomática, mas também pela sua anterior presença em governos do PT. Vieira, em seu discurso na cerimônia de posse no palácio do Itamaraty, referiu que a diplomacia e a política externa brasileiras tiveram um “retrocesso sem precedentes” devido a uma ação “ideológica limitante” durante o último governo e, agora, nos próximos anos, será seguida uma postura diplomática brasileira com foco numa “reconstrução do patrimônio diplomático [no] grande palco das relações internacionais”. Nesse sentido, acrescentou que o presidente Lula “pretende implantar uma política de reconstrução de pontes” com os países vizinhos e toda a América Latina – e, só posteriormente, com os parceiros fortes a nível internacional: China, Estados Unidos e União Europeia.

Ainda segundo o ministro recém-empossado, pela mesma razão, o Brasil retornará a um lugar cimeiro como parceiro internacional de peso no escopo do Mercosul e de toda a América Latina, salientando a relevância do país para toda a região devido aos “ganhos reais [e inerentes] para a economia brasileira”. As relações exteriores do novo governo vão se pautar, assim, pelo rompimento da política prosseguida, até aqui, de isolamento do governo Bolsonaro, por meio da aproximação e da cooperação internacional, cenário em que a pauta ambiental andará em consonância com toda a política externa brasileira. Desse modo, pode-se também esperar que a nova ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), possua papel relevante no fomento de uma aproximação internacional por parte do Brasil.

Radiografia da nova política externa

Num primeiro momento, a política do governo Lula terá como ênfase a sua governabilidade e legitimação interna devido à divisão político-social que os resultados das eleições revelaram e, posteriormente, a cooperação e ação internacional por meio dos ministérios das Relações Exteriores e do Meio Ambiente, que se deparam agora com problemas mundiais e algumas dinâmicas governativas internas diferentes em relação aos outros mandatos de Lula.

Durante os dois primeiros governos do presidente eleito (2002 e 2006), as relações externas foram pautadas por uma política mais direcionada para a integração Sul-Sul, por forma a tecer uma aproximação entre a América Latina, a África, o Oriente Médio e o Sudeste Asiático, bem como pela participação e articulação democrática em organizações e instâncias internacionais, em uma dimensão crescente e em busca do multilateralismo – o mesmo se espera na ação do novo governo empossado no início de 2023.

Conforme os sinais apresentados não só por Mauro Vieira, que também ocupou a pasta das Relações Exteriores entre 2015 e 2016 (segundo governo de Dilma Rousseff), mas igualmente pela importância dos nomes indicados para o Itamaraty – a exemplo da nomeação da embaixadora Maria Laura da Rocha como a primeira mulher a liderar a secretaria-geral do Itamaraty e demais indicações de âmbito diplomático –, denota-se a relevância do multilateralismo como elo crucial para a ação do governo Lula nessa área.

Desse modo, são esperados o reforço e a adaptação de políticas e dinâmicas já adotadas nos dois anteriores mandatos do atual presidente brasileiro, priorizando uma política externa que almeja a retoma do protagonismo não só pelo enfrentamento das mudanças climáticas, mas também pelo fortalecimento do diálogo e de parcerias políticas e econômicas: Mercosul; BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul); assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas; a defesa pela reforma da mesma organização internacional; entre outras ações. Além disso, a proteção da Floresta Amazônica, a par da política externa, é também uma das prioridades do novo governo, tornando-se a curto prazo num dos maiores desafios do terceiro mandato de Lula e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Nesse aspecto, a comunidade internacional terá um papel importantíssimo de apoio econômico e político, numa tentativa de desfazer a política do desmatamento levada a cabo durante o governo Bolsonaro, cujo mandato registrou um aumento de 60% em comparação com os quatro anos anteriores.

Esses desafios, somados aos primeiros discursos e ações do governo empossado, indicam o retorno de um maior pragmatismo e de uma política externa institucional, em que o cerne das relações bilaterais e multilaterais residirá no meio ambiente e na preservação da Amazônia. No entender de Celso Lafer, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a ação de política externa do governo Bolsonaro qualificou-se como um legado “muito negativo”, pelo isolacionismo e pela dilapidação do corpo diplomático brasileiro e, igualmente, pelo comprometimento das relações com os grandes parceiros internacionais e instâncias multilaterais. Logo, ainda no entender de Lafer, a ação do atual governo terá de passar por determinados “ajustes e revalidações em relação ao passado”, por conta das tensões e incertezas que marcam hoje o cenário internacional.

Com o retomar de uma política externa mais forte e presente e de políticas de preservação do meio ambiente, o Brasil poderá tornar-se num aliado político e comercial na América Latina e para muitos parceiros internacionais pertinentes, como os EUA e a União Europeia, atores para os quais questões como a crise climática e energética são cada vez mais prementes. Com o governo liderado por Lula da Silva, espera-se que o Brasil seja reinserido no cenário mundial, distanciando-se da política de isolamento político e econômico, e prossiga um diálogo construtivo com os demais parceiros internacionais, buscando uma legitimação externa – mas também interna, a considerar o atual cenário de polarização a nível político e social – que contará com duas dimensões e áreas de extrema complexidade na ação governativa de Lula: a política externa e o meio ambiente.