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img: Kyle Pearce/CC BY

As veias abertas do conservadorismo ocidental atual

14/01/2023

Jéssica da Silva Duarte, Doutora em Ciência Política (UFRGS)

O avanço do conservadorismo e da extrema direita no século XXI, e especialmente nos últimos dez anos, é um fenômeno já consolidado na política ocidental. Muitos estudiosos acadêmicos e jornalistas têm buscado entender o que propiciou ou o que explica a ascensão de líderes populistas conservadores e de extrema direita em locais como o Brasil, Estados Unidos, Itália, Espanha, Polônia, Hungria, entre outros. Talvez parte dessa resposta requer que a gente pense na onda conservadora conforme os fundamentos que encontramos fora das ciências humanas, na física uma onda mecânica é causada por uma perturbação e se propaga a partir de um meio. No cenário político e social atual contamos com crises econômicas e políticas associadas a organizações e movimentos sociais que ressoam soluções de diferentes vieses ideológicos.

 Por isso, para além de olharmos para os resultados eleitorais e a elite política em si, cabe também uma descrição mais aprofundada sobre os movimentos sociais que promoveram as pautas conservadoras e de extrema direita. Se dermos alguns passos antes e procurarmos indícios do fenômeno, iremos encontrar a atuação das chamadas Think Tanks. Na tradução direta, think tank seria algo como o tanque de ideias, em um sentido mais aplicado são organizações que buscam promover debates, cursos e formação de pensamentos e líderes intelectuais que corroborem e propaguem opiniões e ideologias específicas no que diz respeito a temas como política, costumes, economia, assuntos militares, tecnologia e cultura. Ou seja, são instituições que organizam discursos e indivíduos em prol de influenciar a sociedade como um todo.

Iniciamos por uma organização “guarda-chuva” norte americana que financia e capacita – através de cursos e eventos – movimentos políticos, sociais e outras think tanks que promovam o liberalismo econômico: a Atlas Network. Em entrevista em 2017, o diretor da Atlas Network (AN), Alejandro Chafuen, fez uma afirmação que corrobora a explicação levantada neste estudo, ele diz que “surgiu uma abertura e uma demanda por mudanças, e nós tínhamos pessoas treinadas para pressionar por certas políticas”. A Atlas Network segue desde sua origem as ideias de Friedrich Hayek e Margaret Thatcher e comporta ao redor do mundo um conjunto de 450 organizações e movimentos que visam o combate da esquerda e a promoção do livre mercado e de valores liberais econômicos de um modo geral. 

Já em sua origem, a AN aproveitava conjunturas de instabilidade para promover o ideário do conservadorismo liberal. Em 1970 durante a desaceleração econômica e o aumento da inflação na Inglaterra, políticos conservadores aproximaram-se da Atlas Network, na época ainda denominada Atlas Economic Research Foundation, na busca de um fortalecimento e uma visão alternativa reformadora capaz de manter os valores fundamentais, mais tarde fortalecidos pelo Thatcherismo.

Seguindo para a organização brasileira mencionada acima, o Movimento Brasil Livre teve participação ativa nas mobilizações políticas desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT) até a eleição de Jair Bolsonaro (PSL). O grupo se define em sua página oficial na internet como: a favor da democracia, da república, da liberdade de expressão e de imprensa, do livre mercado, da redução do estado e da redução da burocracia. Possui um posicionamento declaradamente à direita política aderente ao thatcherismo e que se aproxima do conservadorismo em sua versão moral associada à concepção liberal da economia. 

Com efeito, o MBL se concentra fortemente em pautas como a não interferência do Estado na economia, a defesa do mercado e da propriedade privada. Outrossim, buscam fazer intervenções sociais direcionadas a diretrizes clássicas conservadoras como a visão moral dos problemas sociais e da política, especialmente no tocante ao combate à corrupção. Bem como manifestaram-se em questões eminentemente relacionadas a comportamento e tradição, como na oposição feita junto com grupos religiosos, a partir da acusação de incentivo à pedofilia e blasfêmia, à exposição de arte Queermuseu – que possuía obras com referência à homossexualidade – e à peça teatral La Bête – por ter ocorrido em uma de suas apresentações a interação entre o corpo de um homem nu e uma criança com o consentimento dos pais do menor. 

Atuando de maneira análoga, o movimento Juntos por México é um grupo formado por mais de 80 associações conservadoras católicas que tem como compromisso central promover no país a paz, a justiça e a unidade a partir de “valores que vem do alto”. O grupo realiza encontros para reforçar as pautas e busca atuar na esfera social, bem como influenciar o parlamento do país barrando propostas progressistas. Em um pensamento relativamente congruente com o pensamento conservador, tem como valores principais: o bem comum, o destino universal dos bens  – que estaria na contramão da ideia conservadora e liberal de manutenção da desigualdade social, a vida e a família (se opondo ao aborto e ao casamento entre indivíduos do mesmo sexo), participação política através do diálogo construindo autoridades através do amor, solidariedade e voluntariado reforçando o espírito moral e de comunidade, verdade, liberdade, igualdade, amor e gratidão.

No Chile, o Movimento Social Patriota se coloca como um grupo nacionalista que busca exaltar e conservar os valores chilenos contra o globalismo e o multiculturalismo, além disso se define como sendo nem de esquerda, nem de direita que defende a proteção de recursos naturais e da família composta por pai e mãe orientada para a procriação. As pautas do movimento são: pró vida desde a concepção até a morte, contra as pautas homossexuais – afirmando buscar neutralizar com a vitimização e o lobby homossexual, se definem como uma espécie de socialistas moderados – negando capitalismo e também as ideias marxistas – em prol do bem comum e na sinergia social, mantendo propriedade privada e a gestão econômica em coexistência, em relação à temática da migração se colocam como resistentes e recomendam parcimônia por considerarem os mais recentes fluxos migratórios desordenados.

Na mesma esteira de movimentos sociais que buscam propor ideias para a reformar a sociedade, a política e a economia está Students for Liberty, uma instituição originária dos Estados Unidos com representação em mais de 110 países e que tem como objetivo segundo seu site oficial: educar, desenvolver e empoderar a próxima geração de líderes em prol da liberdade (econômica, principalmente). Deste modo, o grupo busca promover lideranças, movimentos e políticas liberais, mas dentro de sua pauta liberal endossa e fomenta movimentos, partidos e figuras conservadoras dentro do espectro da direita política – assim como o Instituto Millenium e o grupo Brasil 200. 

Em consonância com este modelo de atuação, a CitzenGo é uma organização originária da Espanha, fundada em Madri em 2013, que integra uma rede de organizações europeias que procuram dentro de um pensamento que pode ser reconhecido como clássico do conservadorismo: “restaurar a ordem natural”. Com efeito, os artigos publicados em suas páginas e as petições lançadas giram em torno das seguintes temáticas: eliminação dos direitos homossexuais, restrição do aborto e dos métodos anticoncepcionais e promoção de uma agenda explicitamente cristã. A organização se autodescreve em sua página oficial como uma comunidade que influencia instituições e organizações de 50 países diferentes e reúne cidadãos ao redor do mundo em defesa da vida, da família e da liberdade, oferecendo conteúdo em doze idiomas: espanhol, inglês, francês, português, italiano, alemão. polonês, russo, croata, húngaro, holandês e eslovaco. 

Observando este cenário, o filósofo político Sami Naïr, em artigo analítico escrito no jornal El País, afirma que o que ele denomina de “onda nacional populista” (que traz consigo as agendas conservadora e de extrema direita) é consequência de uma conjuntura ao redor do mundo que chegou ao estado crítico da globalização liberal devido a desregulação caótica que promoveu, gerando, assim, a necessidade de um novo equilíbrio econômico e social. Dado o surgimento desta demanda, segundo Naïr, ganham força camadas reacionárias étnica, cultural e politicamente – que oferecem soluções a partir de princípios morais, religiosos, nacionalistas, entre outros. O autor busca destacar e comparar estes cenários conjunturais na América Latina, através do caso brasileiro, nos Estados Unidos da América e na Europa.

Iniciando pelos EUA, o autor afirma que um diferencial para a eleição de Trump foi ter adquirido os votos de trabalhadores brancos do Kansas, Detroit e Texas a partir de promessas de frear a chegadas de latinos e de não pagar serviços sociais a afrodescendentes mobilizando, assim, para si o medo dos indivíduos de perder o emprego para pessoas de outros países e dos fundamentos de igualdade e de multiplicidade étnica presentes na política do governo Obama. No Brasil, a figura de Jair Bolsonaro começou a alçar vôos na esteira do movimento evangélico que ganhou força nas camadas mais pobres e médias da população, aliado a isso vem a submersão do país em um contexto de cinismo em relação à política, corrupção, desigualdade e crise econômica. Na Europa, por sua vez, o bode expiatório principal deixa de ser a corrupção e passa a ser a imigração em um ambiente de estagnação econômica de quase duas décadas, sintetizando um discurso que combina a rejeição da igualdade social e política e da diversidade cultural, étnica e religiosa dos cidadãos, em contrapartida. 

De modo comum, a manifestação do pensamento conservador de extrema direita e suas formas de expressão (partidos políticos, indivíduos, produção intelectual, movimentos políticos organizados, entre outros) possuem um discurso que muda o seu conteúdo conforme o alvo ao qual se direciona, contudo mantém os mecanismos argumentativos essenciais. Além disso, tais ideologias têm podido contar com grupos e instituições bem organizadas e financiadas com o objetivo de promover o ideário e as pautas conservadoras e de extrema direita. Afinal de contas, a formação das ondas conservadoras também são mecânicas, ou seja: depende de forças que a favoreçam e ventos que soprem em sua direção.