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O bolso e a urna

05/11/2022

Bruno Marques Schaefer, Doutor em Ciência Política (UFRGS)

O tema da relação entre eleições e dinheiro é complexo e envolve uma série de predisposições sobre o que consideramos ser a política, e os políticos. Ao redor do mundo, a relação entre poder econômico e poder político é sensível, sendo que, desde ao menos a virada do século XIX para o XX, tem sido objeto de pesquisas nas Ciências Sociais. Discutir eleições e dinheiro importa porque campanhas eleitorais não são de graça; relações entre doadores e políticos podem levar a compromissos pagos posteriormente; e os fluxos de recursos indicam relações de poder. 

Neste sentido, meu objetivo é discutir os desafios na discussão da relação entre dinheiro e política; traçar um breve histórico da regulação deste relacionamento no Brasil; aonde o nosso país está, no mundo, em relação ao seu modelo de financiamento da política; e, por fim, discutir algumas considerações sobre o modelo atual de financiamento da política.

O financiamento da política pode ser visto como uma relação de mercado, em que temos de um lado a oferta e de outro a demanda. Esta analogia não é nova, mas é útil. No lado da demanda, podemos considerar candidatos e partidos que dependem de recursos para se eleger. Os mecanismos que ligam uma coisa à outra podem ser diversos, mas temos que ter em mente que o dinheiro é importante para, no caso de candidatos, a aquisição de material de campanha, pagamento de funcionários, anúncios em redes sociais, entre outros. Ou seja, temos duas variáveis: dinheiro e votos, e alguns mecanismos que ligam as duas coisas, de modo que, na média, campanhas mais caras se elegem, mas nem sempre.

Do lado da oferta, nós temos os recursos que estão disponíveis (legalmente) a partidos e candidatos, tanto no momento de eleições quanto no dia-a-dia do trabalho político.

Temos, então, oferta e demanda. Um mercado em que recursos são demandados e possuem fontes específicas de doadores. No caso brasileiro, as mudanças na regulação do financiamento eleitoral e partidário tem sido a reação a eventos inesperados ou crises. E, sobretudo, a regulação da oferta.

A legislação brasileira sobre financiamento político, por exemplo, até 1993, proibia as doações de empresas a partidos ou candidatos. O escândalo que se seguiu a eleição de Fernando Collor de Melo levou a uma nova lei. A constatação de que a campanha do presidente, então já afastado do cargo, tinha se valido de recursos de empresas para se eleger, foi um catalisador para que o entendimento do Legislativo brasileiro mudasse, permitindo as doações de empresas (Lei nº 8.713, de 1993), proibidas na Ditadura Militar.

A partir daí houve nova legislação sobre os partidos, em 1995, permitindo as doações empresariais para essas organizações e, em 1997, novamente uma nova lei (agora específica das eleições).

De 1993 até 2015, então, tivemos do lado da oferta a partidos e candidatos, recursos privados de empresas, pessoas físicas e autofinanciamento e recursos públicos (através do Fundo Partidário). Esse último ponto é o mais polêmico. É bom lembrar que o Fundo Partidário foi criado em 1971, ou seja, ainda na Ditadura Militar.

Com essa configuração, a principal parcela de recursos para eleições provinha de empresas. E não só das empresas, mas poucas empresas. Segundo dados levantados por Mancuso, 70% dos recursos movimentados nas campanhas eleitorais eram oriundos de contribuições de pessoas jurídicas, sendo que algumas companhias, de alguns setores econômicos específicos, é que tinham maior relevância. Por exemplo, a construção civil. Tínhamos poucas empresas doando muitos recursos para diversos candidatos. Se olhamos as prestações de contas para candidatos a presidente, por exemplo, vemos que empresas doavam para todos os candidatos com chances de vitória. Ou seja, sem critério ideológico.

O relacionamento de oferta de recursos para partidos e campanhas e demanda destes últimos pode gerar uma série de problemas, quando se baseia em certa promiscuidade. Por exemplo: troca de favores entre doadores e agentes políticos. O tema é complexo e objeto de regulação ao redor do mundo, e vimos, por aqui, o quanto foi problemático.

No Brasil, a opção, novamente, foi a regulação da oferta. Em 2015, decisão do Supremo Tribunal Federal, declarou inconstitucionais as doações de empresas para campanhas e partidos, na esteira da operação Lava-Jato.

A consequência de um lado, foi o reforço de outras fontes como os recursos dos próprios candidatos (autofinanciamento), pessoas físicas, mas, principalmente, o incremento de recursos públicos para campanhas eleitorais. No primeiro caso, nós vimos já em 2016 a eleição de candidatos autofinanciados, como João Dória (PSDB-SP), no segundo, as doações de empresários que agora passaram a repassar recursos via CPF e não CNPJ, e no terceiro, o aumento do Fundo Partidário e criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), respectivamente. O FEFC foi criado em 2017 e, desde então, é objeto de polêmicas.

Vemos hoje que o modelo de financiamento da política brasileira continua sendo misto (ou seja, recursos privados e públicos), porém agora sem as contribuições de empresas, e maior participação do Estado (em torno de 70% do total).

A regulação da oferta não recaiu com o mesmo peso sobre a demanda. Deste lado da relação estão candidatos e partidos. As campanhas são caras ao redor do mundo, mas no Brasil podem ser ainda mais caras dado uma série de razões, sendo o sistema eleitoral e o tamanho do distrito algumas delas. Um candidato a deputado estadual, por exemplo, disputa a eleição concorrendo com candidatos de outros partidos além dos seus próprios colegas (dado o aspecto da lista aberta), em um estado inteiro (que é o distrito eleitoral).

A principal medida para tentar diminuir o montante de recursos, nos últimos anos, foi o estabelecimento de teto de gastos para campanhas. Esta diminuiu os recursos necessários para se eleger, mas ainda são necessários aprimoramentos.

O caso brasileiro, comparado a outros países, apresenta características particulares. No caso das doações empresariais, o Brasil faz parte de um grupo minoritário que proíbe que estes grupos participem diretamente do financiamento da política. Conforme dados do IDEA (Institute for Democracy and Electoral Assistance), a maioria dos países não proíbem que empresas contribuam diretamente para partidos, no entanto, na minoria estão casos importantes como Estados Unidos, Canadá, França, Portugal, entre outros.

No caso do financiamento público, o Brasil está no grupo majoritário. A maioria dos países prevê que uma parcela do seu orçamento seja destinada a partidos e/ou campanhas eleitorais.

A diferença do Brasil é o montante destes recursos (em 2022 foram mais de cinco bilhões de reais), bem como a dependência destes valores. Os partidos brasileiros sobrevivem quase que exclusivamente dos recursos públicos. Desde 2015, em média mais de 90% de tudo o que os partidos arrecadam provém do orçamento do governo federal. 

Este número também assusta ao considerarmos que no Brasil mais de 10% dos eleitores são filiados a algum partido político. Porém, poucos doam às legendas. O que denota, de outro lado, a ausência de um esforço das organizações para encontrar outras fontes de recursos.

Há que se considerar também como esses valores são distribuídos. Aí entra um gargalo da legislação. As Executivas Nacionais dos partidos têm poder discricionário, enorme liberdade para determinar como os recursos serão distribuídos: para quais candidatos será enviado dinheiro, para quais estados ou municípios. No entender de diversos especialistas, esta liberdade toda não é respaldada pelo artigo 17 da Constituição (sobre os partidos). Em outras palavras, os partidos devem ter autonomia para se organizar, no entanto, recursos públicos devem ser utilizados a partir de uma série de critérios e princípios que, muito das vezes, não são seguidos. Os recursos públicos, neste caso, podem servir a manutenção de lideranças regionais ou nacionais, desfavorecendo mecanismos de democracia interna, e a própria legitimidade das organizações.

Expostos estes dados, é importante considerar que trato dos recursos legais que circulam nas campanhas. Ou seja, são declarados junto ao TSE. Apesar destes valores contarem uma história das eleições brasileiras, não contam a história. Outros recursos podem ser considerados na análise. 

Em 2022, por exemplo, as duas campanhas presidenciais mais bem colocadas declararam 130,5 milhões de reais (Lula-PT, eleito) e 105,5 milhões de reais (Bolsonaro-PL, derrotado). Os valores estão próximos do teto de gastos para o cargo (133 milhões) e mostram diferenças em relação às fontes. Enquanto para Lula grande parte das doações foi proveniente de recursos públicos, para Bolsonaro os recursos vieram de doadores privados, em especial grandes empresários. Para além das declarações oficiais, no entanto, é necessário considerar os gastos que o incumbente (Bolsonaro) realizou ao longo do pleito, através do governo federal. Redução da alíquota do ICMS de combustíveis para redução do preço da gasolina, aumento do auxílio-brasil, pagamento de auxílios a taxistas e caminhoneiros, etc. Todas medidas que visavam a reeleição custaram valores estimados entre 20 e 80 bilhões de reais, a depender do cálculo. Esse uso da máquina, apesar de não ser um gasto direto de campanha, denota a complexidade da relação entre poder político e econômico.

Por fim, é necessário que os próprios dados desta relação estejam disponíveis à população. O ângulo normativo aqui é importante, mas também temos que ter atenção para o efeito de qualquer reforma. No Brasil, nós vivemos uma ansiedade reformista que acaba por acavalar mudanças. Nem esperamos que uma alteração faça efeito para produzir outra, e mais outras. 

O problema que enxergamos é que o sistema político vive sua crise de legitimidade. Ou seja, o eleitorado não confia, ou avalia bem, seus representantes. Medidas como o acréscimo de recursos públicos tendem a não ajudar essa avaliação. No entanto, não sabemos até que ponto o financiamento é uma questão para esse mesmo eleitorado. Nessa área são necessárias mais pesquisas.