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Processo eleitoral no Brasil: percepção e análise na imprensa portuguesa

04/10/2022

Bruno Santos Fonseca, investigador doutorando do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA)

As eleições no Brasil em 2022 – que ocorrem simultaneamente para o pleito do Poder Executivo, com a eleição do presidente da República e dos governadores(as), e do Poder Legislativo, com a eleição para o Congresso Nacional (senadores(as) e deputados(as)) e para as Assembleias Legislativas Estaduais (deputados(as) estaduais) – têm estimulado grande interesse por parte da comunidade internacional e, subsequentemente, dos meios de comunicação social em todo o mundo – e Portugal não é exceção. Esse interesse pela divulgação e análise do contexto brasileiro em Portugal muito se deve à proximidade que ambos os países nutrem, bem como pela grande comunidade brasileira residente no país europeu.

Dessa forma, a presente análise/percepção dos meios de comunicação social online portugueses focará as eleições para o pleito presidencial, tendo como filtro de observação não só a ação dos dois candidatos com a maior porcentagem de intenção de voto – Luiz Inácio “Lula” da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), e Jair Messias Bolsonaro, do Partido Liberal (PL) –, mas igualmente as pautas que cada um defende no período oficial de campanha decretado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), meio responsável pela fiscalização de todo o processo eleitoral brasileiro. Para o calendário de 2022, o TSE definiu como início da propaganda eleitoral o dia 16 de agosto e como último de divulgação da propaganda eleitoral o dia 29 de setembro – período que se tornou a baliza cronológica para a análise da percepção dos meios de comunicação social.

Os meios de comunicação com presença online buscam a divulgação ininterrupta de notícias e informações sobre vários temas da sociedade. Nesse sentido, o objetivo da presente análise, que passará pela seleção de jornais online de Portugal com maior alcance na sociedade desse país (jornais Público, Observador, Expresso e Diário de Notícias), terá em conta uma amostra global de informações sobre os conteúdos próximos aos programas dos dois candidatos.

Desse modo, será possível analisar as várias especificidades como é a “análise de imagem, de temas, de ferramentas, de links, partilhas, linguagem e outros elementos”, procurando abarcar a generalidade do conteúdo temático: eleição presidencial brasileira e as diferentes dinâmicas relacionadas ao pleito e aos candidatos. Todavia, a análise de conteúdo, que no meio acadêmico é uma “técnica de investigação, aplicável a todos os conteúdos dos meios de comunicação, que tem por finalidade a descrição sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto”, vai se pautar por seu curto e imediato acesso, mas cujos resultados serão tangíveis.

As eleições brasileiras 2022, um contexto do processo
O sistema eleitoral brasileiro é bastante suis generis no que diz respeito às dinâmicas dos cargos e da fórmula majoritária que se busca alcançar. No Poder Executivo, a eleição para presidente da República se encontra assente em dois turnos (2 e 30 de outubro de 2022, respectivamente) para a obtenção de uma maioria por parte de um dos candidatos na disputa.

Neste ano, os 11 candidatos à presidência brasileira são: Ciro Gomes (PDT); José Eymael (DC); Luís Filipe d’Ávila (Novo); Jair Bolsonaro (PL); Léo Péricles (UP); Lula (PT); Padre Kelmon (PTB); Simone Tebet (MDB); Sofia Manzano (PCB); Soraya Thronicke (União Brasil); e Vera Lúcia (PSTU). A luta pelo pleito presidencial tem sido caracterizada por uma disputa acirrada sobretudo entre Lula e Bolsonaro, os quais possuem as maiores hipóteses de alcançar o cargo, aprofundando a polarização política já visível na sociedade brasileira: Bolsonaro, que se filiou ao PL no fim do ano de 2021, busca a reeleição; e Lula, que governou o Brasil entre 2003 e 2010, teve o Supremo Tribunal Federal (STF) a anular sua condenação no processo do triplex do Guarujá, recuperando seus direitos políticos.

É importante destacar tópicos de seus programas de governo como candidatos, como as áreas da economia, questões sociais e meio ambiente. Nas temáticas econômica e social, Lula apresenta no seu programa a revogação do teto de gastos, a reconstrução de programas sociais, como o Bolsa Família, passando pela implementação de políticas para o combate à discriminação de pessoas LGBTQIA+, bem como a equidade de gênero e combate ao racismo. Já Bolsonaro menciona a manutenção do Auxílio Brasil, a continuação da política de desestatização de empresas públicas, a ampliação de políticas direcionadas às mulheres, crianças e adolescentes, bem como a promoção de direitos humanos para todos, sem mencionar grupos específicos.

A temática do meio ambiente também foi alvo de argumentos de ambos os candidatos: Lula dá grande destaque não só à economia verde, por meio da conservação, restauração e manejo de todos os biomas do Brasil, como também ao combate a crimes ambientais e à mineração ilegal que ocorre na Amazônia; já Bolsonaro dá grande importância ao problema das queimadas e incêndios florestais e desmatamento ilegal, assim como à apresentação de uma ação de defesa, proteção e promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Com esse apanhado temático de ambos os candidatos, a busca nos meios de comunicação selecionados avançou em suas páginas de internet tendo como foco assuntos correlatos a meio ambiente, economia, sociedade, pesquisa eleitoral e campanha dos candidatos. Nesse processo, faz-se necessária uma observação sobre o fenômeno – presente no Brasil e em todo o mundo – referente às fake news, que colocam em causa a lisura jornalística, factual e argumentativa, ora nas redes sociais, ora em meios de comunicação. Tendo esse cuidado na seleção de notícias que compõem a base desta análise, optou-se pela aplicação de uma seleção objetiva e demarcada pelo tópico geral das eleições brasileiras, preservando a integridade de argumentos e fatos presentes nas notícias.

Percepções e análise da imprensa em Portugal
As eleições brasileiras para o pleito presidencial beneficiam-se em Portugal de uma atenção maior e mais constante se comparadas com as demais imprensas europeias, por ser caracterizado como uma eleição que pode cortar, ou manter, paradigmas político-sociais e pelo vínculo e presença já durante o período de campanha eleitoral na ocasião da celebração dos 200 anos da independência do Brasil.

Os meios de comunicação social em Portugal, durante o período de campanha, aprofundaram e intensificaram a divulgação de informações sobre as dinâmicas referentes ao processo eleitoral brasileiro. Concederam maior destaque aos candidatos Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) e aos problemas em que ambos os candidatos se esbarraram ao longo destas últimas semanas, bem como à preocupação de como será a política brasileira a partir de outubro, mas mais concretamente a partir do mandato que se inicia em 1º de janeiro de 2023, e o seu impacto nas esferas político-diplomáticas mundiais.

Os jornais Público, Expresso e Observador exibiram uma cobertura constante e diária dos acontecimentos relacionados, direta ou indiretamente, com a campanha e os comícios, debates e embates entre os candidatos e seus posicionamentos em temas ambientais, democráticos, sociais e econômicos. Porém, as temáticas relacionadas à economia e à sociedade, apesar de serem transversais em muitas das matérias publicadas, nutriram especificidades relacionadas com a realidade atual e o futuro da sociedade brasileira, por meio de análises distintas, quer de jornalistas ou de indivíduos a título pessoal (artigos de opinião), mas com o objetivo semelhante de cativar o interesse por uma temática que parece distante, mas tão próxima de Portugal.

O Público evidenciou a necessidade da participação de toda a sociedade (caso que também se aplica aos demais jornais selecionados) por meio da criação de uma página dedicada às principais notícias, histórias e apontamentos reais e concretos sobre as eleições, abrindo o espaço às partilhas individuais dos leitores. Conta, também, com uma variedade de publicações que vão desde artigos de opinião a reportagens mais temáticas e investigativas, demonstrando uma grande amplitude no que é disponibilizado aos leitores. O Expresso e o Observador seguem a mesma linha, contudo o primeiro é mais incisivo em questões que tangem os perigos à instituição democrática e à polarização existente entre o candidato do PL à reeleição, Bolsonaro, e o candidato do PT, Lula, além de reunir um maior número de opiniões e comentários de personalidades brasileiras.

No Observador e no Público, constatou-se a existência de mecanismos de verificação de fatos e notícias vinculadas às eleições do Brasil – ações de combate às fake news já presentes nos jornais para outras temáticas nacionais e internacionais (o Expresso, associado ao canal de televisão SIC, possui também um mecanismo de verificação, o Polígrafo). Quanto ao jornal Público, a seção de checagem dos fatos é realizada em parceria internacional com a Agência Lupa (Brasil), noticiando erros e dados incorretos nas declarações e discursos proferidos por ambos os candidatos à presidência que lideram as intenções de voto.

Relativamente ao Diário de Notícias, o jornal manteve as dinâmicas mais suavizadas, sobretudo pelo número de matérias que saíram no período eleitoral, uma vez que a pauta portuguesa possui maior peso em sua grade informativa. Contudo, o seu papel de análise transversal aos temas relacionados com a pauta dos dois candidatos ficou igualmente evidente.

Por último, ainda é importante destacar o tópico sobre o meio ambiente, que, apesar de constar nos programas de governo de Lula e Bolsonaro, não tem estado nas prioridades discursivas dos dois candidatos. Ainda assim, trata-se de uma temática que foi notória nas pautas e matérias dos meios de comunicação social portugueses, especialmente por essa pauta ser o centro de muitas políticas e preocupações por parte de Portugal e dos países europeus.

Em todos os jornais analisados – Público, Observador, Expresso e Diário de Notícias – pôde-se constatar o interesse por noticiar e disseminar o processo eleitoral brasileiro, com enfoque no pleito presidencial em seus mais diversos contextos e realidades, bem como pela pertinência que estas eleições possuem num contexto mundial.

A partir do questionamento e análise dos tópicos transversais em cada um dos meios de comunicação, é possível traçar uma linha correlata entre os vários jornais digitais, pela forma e corpo das notícias sobre o processo eleitoral brasileiro, cujos pontos de contato permitem aos leitores realizar análises, debates e perspectivas idênticas (ou não) através do cruzamento argumentativo das múltiplas estruturas de disseminação informativa.

Considerações finais
O processo eleitoral brasileiro e todas as dinâmicas adjacentes têm despertado de fato um grande interesse por parte da comunidade internacional e, subsequentemente, da comunicação social portuguesa. Essa percepção nutriu atenção distinta não só aos dois candidatos com as maiores intenções de voto, de modo que a polarização foi um dos motes para a elaboração de matérias, mas a pautas que são pertinentes para a política brasileira, como o Estado de direito democrático e o meio ambiente.

O acirramento da polarização que se verificou ao longo da pré-campanha e durante as semanas de debates e comícios não desaparecerá caso a eleição se defina no primeiro turno ou caso haja a necessidade de ocorrer o segundo turno – ela tende a se prolongar nas próximas semanas e meses, seja no seio da sociedade brasileira, seja nos debates ou nas notícias que os meios de comunicação social publicarão quanto ao contexto político brasileiro.

Conclui-se que, por meio da percepção que as imprensas europeias transferem sobre as notícias do processo eleitoral brasileiro e do seu impacto na sociedade local, existe uma reflexão sobre o trabalho cívico que as próprias matérias online realizam – permitem não só em Portugal, como no mundo todo, o contato com informações por parte dos cidadãos brasileiros e, de igual soma, a existência de uma sensação de preparo e de reflexão crítica quanto à particularidade destas eleições.