Blog
Como temáticas de Política Externa foram abordadas por candidatos à Presidência do Brasil em 2022
04/10/2022
Stephanie Braun Clemente, Doutoranda em Relações Internacionais (UERJ)
É intrigante saber o que candidatos à Presidência estão professando sobre temáticas de política externa, que é uma importante política pública para os Estados. Como tem sido cada vez mais ressaltado pelos acontecimentos mundiais, nenhum país atua sozinho na arena internacional. Pelo contrário, é imperativo cultivar boas relações e estabelecer conexões com parceiros regionais e extrarregionais com a finalidade de consecutar interesses nacionais.
De tal forma, é primordial compreender como os candidatos pretendem direcionar a atuação externa do Brasil. Apesar deste não ser o foco central e aparecer pouco nas campanhas em questão, as propostas e interpretações que os presidenciáveis postulam devem ser analisadas, com vistas a avaliar o que o próximo governo pretende seguir em sua atuação internacional.
Tais pautas externas, tradicionalmente, foram relegadas a uma posição de pouco destaque nas disputas eleitorais do país, já que acreditava-se que “política externa não dá voto”. Entretanto, nas últimas três décadas tal cenário começou a se alterar e os candidatos à Presidência começaram a abordar mais tais temáticas. Porém, pode-se destacar uma nova alteração nas presentes eleições, visto que, devido a uma série de problemáticas de política interna, as pautas internacionais têm sido trabalhadas de maneira marginal nas campanhas.
Para fins da presente análise, foram investigados os programas de governo de apenas 3 dos 11 candidatos registrados. Consideramos que os aspirantes à presidência que possuem proeminência em tal pleito são os que possuem de 5% de intenções de voto para cima. De acordo com a pesquisa Datafolha, os que cumprem tal requisito são: Lula da Silva (PT) – com 50% -, Jair Bolsonaro (PL) – com 35% – e Ciro Gomes (PDT) – com 6% -.
Foram investigados, especificamente, os planos de governo de tais concorrentes. Antes de examinar os pormenores, ao olhar de maneira geral, é possível perceber entre os presidenciáveis uma disputa de narrativas acerca da posição atual do Brasil no sistema internacional, o que reflete as formas pelas quais cada um visa atuar na arena externa.
Para o plano de governo de Lula, o Brasil segue em atraso e isolado internacionalmente e deve voltar a exercer uma política externa “ativa e altiva”; para Bolsonaro, o país já “ocupa uma posição de grande relevo na comunidade internacional”, o que demonstra o intuito de manter a conduta externa nos mesmos termos em que ela se encontra atualmente; por fim, o plano de Ciro ressalta a necessidade de que o país melhore sua posição internacional no ranking de desenvolvimento.
O líder nas pesquisas: Lula da Silva
Para além de resgatar os tempos áureos da chamada política externa “ativa e altiva”, que marcou positivamente as antigas administrações do candidato, outros pontos relevantes também são mencionados em seu atual projeto. No entanto, é preciso salientar que temáticas de política externa aparecem com menor frequência do que o esperado: de 21 páginas, apenas cerca de 1 delas é dedicada a isso.
Apesar da pouca ênfase conferida à política externa em comparação à política interna, o que é dito é importante para o delineamento do que tal administração pretende seguir. É ressaltada a relevância de que o Brasil busque reconquistar o respeito internacional, ao fortalecer sua soberania, além de resgatar seu protagonismo global. Afirmam, otimistamente, que a despeito do que foi colocado em prática em termos das políticas ambiental e externa pelo atual governo, a recuperação das prestigiosas credenciais internacionais não será difícil.
É salientado que a cooperação Sul-Sul com a América Latina e África será reconstruída; o auxílio ao desenvolvimento de países pobres será retomado, por meio de instrumentos de “cooperação, investimento e transferência de tecnologia”; que a ampliação da atuação do Brasil em organismos multilaterais será defendida; e que mecanismos regionais e extrarregionais serão fortalecidos, como o Mercosul, a Unasul, a Celac e os Brics.
Destacam que o país defenderá sua soberania ao “estabelecer livremente as parcerias que forem as melhores para o país, sem submissão a quem quer que seja”, ou seja, que uma política externa mais pragmática será adotada. Ademais, afirmam que “defender a nossa soberania é defender a integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe”, buscando pela segurança e promoção do desenvolvimento regionalmente.
A partir de tais pontos, é possível compreender que o atual plano é pautado pelo que foi feito no passado e pela crença de que será possível replicar na eventualidade de um novo governo. Todavia, não podemos afirmar que tal busca será lograda com sucesso, afinal os contextos doméstico e internacional nos quais o país está inserido são bem distintos daqueles do princípio dos anos 2000.
O atual presidente do país: Jair Bolsonaro
O plano de governo de Bolsonaro mostra-se diferente do que vimos para as eleições de 2018. Nele, há a adoção de um tom menos ideologizado e o emprego de análises mais completas sobre assuntos internacionais. Ademais, em comparação com os planos dos outros candidatos aqui analisados, é o que dedica maior espaço para abordar a política externa.
Como forma a se distanciar de seu antigo plano de governo, há uma inflexão marcante no tom de crítica que era proferido anteriormente a ordem internacional liberal. Não há menções ao “globalismo” e busca-se reafirmar os valores da diplomacia brasileira. Procuram, ao menos retoricamente, defender a democracia, a soberania e o conceito universalista da política externa. Destacam a busca pela atração de investimentos e de tecnologia de ponta, o imperativo de reduzir dependências externas, além da diversificação das relações econômicas.
Afirmam que “um Plano de Governo deve gerar certezas” e que, nesse sentido, no caso de uma reeleição, o governo dará continuidade na implementação de “mudanças e reformas estruturantes”, que não teriam sido mais abrangentes no período 2019-2022 por ocasião da pandemia de Covid-19 e da ocorrência da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Diferentemente do plano visto acima, o de Bolsonaro não apresenta nenhuma proposta ou menção particular à América Latina, América do Sul ou Caribe. A região das Américas fica restrita meramente nos termos de constituir fontes de investimento, mercados e parcerias de cooperação: “com países de todo o mundo; e com nosso entorno geográfico nas Américas e no Atlântico Sul”.
Outras instâncias acabam tomando a cena para o candidato, como é o caso da OCDE, do FMI, da ONU, da OMC, do Conselho de Segurança da ONU, bem como do G-20 e Brics. E ainda, a importância da consecução de acordos bilaterais e multilaterais é frisada, com menção explícita ao The European Free Trade Area (EFTA).
No que tange esse projeto de governo, é preciso salientar que o que foi colocado em prática em termos de política externa do país nos anos em que tal administração esteve no poder diverge do que está sendo planejado para uma possível reeleição. De tal maneira, é abstruso acreditar em tais promessas e ainda mais complicado é deslumbrar caminhos de prestígio para o Brasil no sistema internacional em uma futura reeleição.
A chance da terceira via: Ciro Gomes
O projeto de governo de Ciro divulgado no site do TRE pouco fala sobre as relações internacionais do país e não traz propostas do que pretende-se buscar concretizar em termos de política externa. No entanto, o próprio candidato divulgou que é possível se aprofundar em seu projeto de governo por meio do livro de sua autoria publicado em 2020, titulado “Projeto Nacional: O dever da esperança”. Foi por meio dele que as informações abaixo foram coletadas.
É no capítulo III, “o novo contexto geopolítico”, que constam análises e indicações de propostas gerais e genéricas do candidato do PDT para a política externa do Brasil. Uma das ideias defendidas consiste em que o país deve buscar impedir que outras potências sabotem seu desenvolvimento e manter tradições seculares de nossa política externa – solução pacífica de controvérsias, autodeterminação dos povos, respeito pela soberania de todos os países e ordem internacional pautada no direito e não na violência -. Para ele, devemos nos guiar por preferências comerciais com vistas a superar “nosso atraso tecnológico em setores sensíveis”.
Além disso, um ponto que chama atenção é a afirmação de que a diplomacia brasileira não pode se deixar conduzir por fanatismos ideológicos e que, portanto, precisamos de um mecanismo de financiamento “rebelde” que nos indique caminhos distintos ao “receituário falido” dado pelos Estados Unidos. Não quer dizer que devemos antagonizar com o poder hegemônicos, mas de (re)construir uma relação mais pautada por linhas pragmáticas.
Ademais, o livro aborda a posição do país frente a um cenário de globalização e enfoca no relacionamento do Brasil com a América Latina e com os países do Brics, “as melhores oportunidades de parcerias estratégicas para o país”. É ressaltado que a integração latino-americana é “um imperativo econômico e estratégico previsto na Constituição” e que deve-se apoiar iniciativas que visem promover melhorias da infraestrutura regional, como o Corredor Bioceânico, a Estrada do Pacífico e o Anel Energético Sul-americano. Acerca dos Brics, Ciro argumenta que “um governo legitimamente comprometido com o interesse nacional” deve usar essas iniciativas como forma de o desenvolvimento do Estado.