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A segurança pública como pauta dos candidatos ao Governo do Estado de São Paulo: Câmeras Operacionais Portáteis (COP) e a letalidade policial
04/10/2022
Bianca Isabel Lombarde Silva, Mestre em Ciências Sociais (UNIFESP)
As questões relacionadas à segurança pública são, frequentemente, inclusas no roteiro das entrevistas, sabatinas e debates eleitorais, seja para os presidenciáveis seja para os possíveis governadores estaduais. Isto se deve ao grande interesse público em relação aos altos índices de criminalidade no Brasil, responsável por 20,4% dos homicídios do mundo, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Com vista a esse interesse, surgem figuras carismáticas que prometem a “salvação” do país em nome de algumas centenas de mortos que, ao seu ver, se configuram na categoria de “bandidos”. O atual presidente do Brasil, também candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, tomou essa figura para si, junto aos seus apoiadores.
No entanto, o mandato de Bolsonaro não foi responsável por reduzir índices de criminalidade e nem, consequentemente, aumentar a segurança dos cidadãos. Portanto, o entendimento das propostas relacionadas à segurança pública de cada candidato é essencial para compreender por qual caminho o país ou o estado pode vir a seguir nos próximos anos. Esse texto irá trilhar uma análise das opiniões e propostas relacionadas às câmeras operacionais portáteis (COP) dos candidatos ao Governo do Estado de São Paulo. Essa tecnologia chegou ao Brasil em 2019 após um longo período de estudos pela polícia militar. Com experiências no Reino Unido em 2005 e amplamente reconhecida após uma implantação expansiva nos Estados Unidos da América em 2013, as câmeras corporais são utilizadas como uma solução popular para aumentar a transparência e a accountability das ações policiais.
Desde o começo do uso das COP em São Paulo até o momento, os veículos jornalísticos noticiaram a queda de 89% da letalidade policial em batalhões militares como o Tobias de Aguiar (ROTA), conhecido pelas altas taxas de morte decorrente de intervenção policial, o que vem despertando o interesse da sociedade civil no funcionamento dessa nova tecnologia. Apesar disso, também ocorreram casos de mau uso dessa ferramenta, como tentativas policiais de encobrir as câmeras durante abordagens que resultaram na morte de suspeitos. Esses equipamentos mobilizaram a opinião pública e são parte de um arcabouço central para a segurança pública no governo estadual. Para compreender os posicionamentos dos candidatos, primeiro é necessário compreender o funcionamento da tecnologia.
O funcionamento das COP em São Paulo é ininterrupto durante 12h, nas quais o policial pode acioná-la para gravar com áudio e imagens de alta resolução em momentos específicos do seu turno, como abordagens policiais e interações com a população. Segundo fontes jornalísticas, a cada 30 minutos é produzido um vídeo e enviado para o sistema Axon, empresa responsável pelo aluguel dos equipamentos. As câmeras Axon Body 3, utilizadas em São Paulo, são acopladas na parte frontal dos coletes à prova de balas. Todos os aparelhos contam com GPS e, além do armazenamento na “nuvem”, a gravação pode ser acompanhada em tempo real por uma central de monitoramento da polícia.
Os estudos realizados nos EUA avaliam os benefícios para a polícia, a exemplo da economia de tempo e prestígio social, pois as imagens podem servir para melhorar a relação com a comunidade, aumentando a confiança no trabalho da polícia, para resolver conflitos jurídicos e investigações de má conduta mais rapidamente, além de servir para o treinamento dos policiais. Esses estudos verificaram também que as câmeras individuais acopladas aos uniformes policiais foram significativas para a redução das reclamações dos cidadãos, embora não esteja claro como elas atuam para essa redução. Contudo, foi observado que essa redução ocorre em locais que implementaram as políticas de ativação obrigatória, como pode ser visto atualmente em São Paulo.
As COP têm potencial para impulsionar mudanças nas estruturas e práticas da organização, tornando a responsabilização interna da polícia mais eficiente. Porém, existe também a tensão de que as novas tecnologias são utilizadas de acordo com as estruturas vigentes da instituição. Dessa forma, por se tratar de um mecanismo interno, as tecnologias que exigirem uma mudança drástica nas estruturas podem ser utilizadas de forma errada para evitar essas mudanças. As câmeras, por exemplo, podem ser “esquecidas” de serem ligadas, ou ter os dados apagados da central de monitoramento. Segundo pesquisadores da FGV, a responsabilização depende diretamente da supervisão policial e da gestão administrativa pública, portanto, quando o governo estadual se prontifica a punir ou investigar os policiais, há um compromisso maior com esse tema. Isto é, a escolha do governador de São Paulo influenciará diretamente a continuidade dessa política de responsabilização.
Dos 5 candidatos ao Governo do Estado de São Paulo, apenas 1 é contrário à tecnologia das COP. Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro do governo de Jair Bolsonaro e apoiado pelo presidente, argumentou que irá reavaliar o uso da tecnologia, caso eleito, defendendo que o monitoramento precisa ser aos criminosos e não aos agentes de segurança. Enquanto candidato que representa a extrema direita, Tarcísio avalia as câmeras como prejudicial aos policiais, no entanto, desde sua implementação, a maior parte dos policiais é favorável ao uso. As propostas do candidato do Republicanos para a segurança pública inclui tecnologia de ponta, embora não descreva quais tecnologias são essas. Ao criticar a tecnologia de grande apoio popular, é necessário apontar as fragilidades do equipamento. Como fez Elvis Cezar (PDT) que, apesar de reconhecer os resultados positivos, acredita que algumas questões precisam ser revistas.
Elvis Cezar (PDT) criticou o uso ininterrupto, caracterizando-o como “desumano” e também desaprovou o custo do armazenamento das imagens. O orçamento para manutenção desses arquivos é realmente um ponto negativo nessa tecnologia. O Major policial Robson Cabanas Duque produziu um estudo de viabilidade do emprego das COP em São Paulo, sua tese, defendida na Academia de Polícia Militar do Barro Branco, foi a pioneira nesse assunto. Duque estima que mais de 50% do valor investido nessa tecnologia seja destinada para a armazenagem. De acordo com os valores de armazenamento, 1 ano de gravação de vídeos para todos os policiais militares em serviço custaria em torno de R$7.9 milhões de reais aos cofres públicos. Atualmente, o Governo do Estado de São Paulo fechou um contrato com a empresa Axon que inclui o aluguel das câmeras e o sistema de armazenagem, no entanto, há divergências na divulgação do valor pago.
Assim como o candidato do PDT, Vinicius Poit (Novo) também é favorável ao uso dessa tecnologia e já citou estudos realizados nos EUA e na Inglaterra que publicaram resultados positivos da implementação em suas corporações. Embora a base do seu plano de governo seja a defesa da propriedade privada e da gestão empreendedora, o foco para a segurança pública é o uso da inteligência e a criação de um órgão de gestão dentro da Secretaria de Segurança Pública.
O atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB) também concorre para a reeleição. Durante seu governo, que iniciou sob o mandato de João Doria (PSDB), foi implementada a tecnologia sobre a qual falamos. Portanto, Garcia pretende dar continuidade ao uso e faz elogios a redução das taxas de letalidade policial. Ao assumir o cargo, o governador não se mostrava favorável à implementação, com dúvidas sobre o seu uso. No entanto, após os diálogos com os comandantes das tropas policiais e com a redução dos índices, seu posicionamento sobre as câmeras corporais foi alterado.
Já o candidato que aparece na dianteira das pesquisas de intenção de voto, Fernando Haddad (PT) é favorável ao uso da tecnologia e prometeu mantê-la, caso eleito. Haddad foi prefeito da cidade de São Paulo entre 2013 a 2016, e ministro da Educação de 2005 a 2012, nos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff. Enquanto prefeito, recebeu diversos prêmios devido aos projetos criados durante sua gestão. Enquanto ministro da Educação foi responsável pela implementação do Prouni e do FIES, que garante as classes mais vulneráveis ao acesso à educação superior. Além dessa ampla experiência no campo político e educacional, seu plano de governo enquanto governador tem como norte os direitos humanos, prometendo valorizar a carreira dos policiais, melhorando as condições de trabalho e salários. No entanto, o plano de governo não cita diretamente as câmeras operacionais portáteis.
Conclui-se, portanto, que a tecnologia das câmeras operacionais portáteis não será desativada com tanta facilidade, independente do governador eleito. A redução da letalidade policial, o apoio das corporações, ongs e pesquisadores influenciará diretamente nessa nova gestão. Assim sendo, a escolha para governador deve se pautar em outras medidas como políticas sociais, saúde, educação e economia, priorizando os direitos humanos e a democracia. Em relação às câmeras operacionais portáteis, a sugestão é o avanço dos estudos na área da segurança pública, a fim de verificar a estabilidade da redução dos índices de letalidade policial, o serviço da prestação de contas à sociedade e, principalmente, medidas que ajudem a tornar essa tecnologia mais eficiente do que ela já tem se mostrado.