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O isolamento diplomático de Bolsonaro e o apoio internacional à democracia no Brasil
08/11/2022
Giovanna Macieira Rosario, Mestranda em Relações Internacionais (IRI-USP)
Durante sua passagem pela Presidência da República, Jair Bolsonaro não conquistou qualquer simpatia da comunidade internacional. A Política Externa conduzida pelo ex-chanceler, Ernesto Araújo, foi marcada pela ideologização da diplomacia, assim como os discursos proferidos pelo presidente nas Nações Unidas, caracterizados pelo “antiglobalismo” trumpista e por fantasias sobre ameaças comunistas, de forma a acenar sempre para o seu eleitorado mais fiel.
Bolsonaro, ao reunir dezenas de embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada a fim de atribuir algum contorno de razoabilidade a sua tentativa de deslegitimação do Sistema Eleitoral brasileiro, parece ter se esquecido da tenebrosa imagem que construiu para si durante os quatro anos de uma Política Externa pautada exclusivamente por afinidades ideológicas. Os únicos efeitos que suas teorias da conspiração sobre as urnas eletrônicas – usadas em todas as eleições nacionais desde 1996 – surtiram, foi a reafirmação de confiança dos Estados Unidos e da União Europeia em relação ao processo eleitoral brasileiro.
O isolamento diplomático de Jair Bolsonaro
O ex-chanceler Ernesto Araújo, que apesar da afinidade com Bolsonaro teve de deixar o cargo após forte pressão do Senado, assumiu a diplomacia brasileira com o compromisso, segundo ele próprio, de resgatar um Ocidente que estaria em processo de deterioração civilizacional e cuja salvação se encontrava na figura do então presidente dos Estado Unidos, Donald Trump. Sendo assim, o governo Bolsonaro optou pelo alinhamento automático, não com os Estados Unidos, mas com Trump.
O alinhamento ideológico, no entanto, não se restringiu ao então presidente dos Estados Unidos. O israelense Benjamin Netanyahu, o presidente polonês Andrzej Duda e o primeiro-ministro húngaro Viktor Órban também preenchiam os requisitos. Enquanto isso, Ernesto Araújo, Bolsonaro e seus filhos se indispunham com a China, maior parceira comercial do Brasil, e com a União Europeia, segunda maior parceira comercial do país.
A gestão desastrosa da pandemia do COVID-19 não ajudou a melhorar a imagem de Bolsonaro no exterior, encerrando a pandemia com quase 700 mil mortes no Brasil e perdendo apenas para os Estados Unidos comandado por Trump, que chegou a bater 1 milhão. Aliás, a postura negacionista em relação à seriedade da doença, que segundo o presidente seria apenas uma “gripezinha”, parece ter tido inspiração no ex-presidente estadunidense, assim como as repetidas declarações contrárias ao isolamento social.
A culpabilização da China pela pandemia e os repetidos insultos ao país asiático foram protagonizados principalmente pelo filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, que ocupa o cargo de deputado federal e, apesar de não representar o Executivo, deve ser compreendido como uma das vozes do pai, estando inclusive presente em inúmeras viagens diplomáticas oficiais. Ao se comportar como um verdadeiro defensor dos interesses norte-americanos, o filho do presidente conseguiu despertar a repreensão da embaixada chinesa no país durante a crise sanitária, incomodando empresários e produtores brasileiros que têm a China como principal parceiro comercial.
Segundo levantamento realizado pelo El País, a cobertura realizada pela imprensa internacional sobre a condução da crise sanitária no Brasil, deixou claro uma evidente “crise ética e de falência de gestão”. O tratamento dado pelo governo Bolsonaro à pandemia, contribuiu para a já deteriorada imagem do país diante da comunidade internacional. A cobertura do desastre sanitário brasileiro, em um dado momento, superou até mesmo as críticas internacionais à política ambiental capitaneada pelo presidente.
Os dados referentes ao desmatamento da Amazônia durante o governo Bolsonaro chamaram a atenção da comunidade internacional de forma bastante negativa. Nos três primeiros anos de Bolsonaro na presidência, a taxa de desmatamento da floresta subiu 73%. Referente ao ano de 2022, que no momento em que este texto está sendo escrito ainda não chegou ao fim, a taxa de desmatamento superou a dos três anos anteriores considerados individualmente.
Todo esse processo pode ser compreendido como resultado de um doloroso desmonte da política ambiental brasileira. Bolsonaro, durante campanha eleitoral em 2018, afirmou que acabaria com uma suposta “indústria da multa ambiental” do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). Foi o que fez ainda em 2019, o presidente assinou decreto com o objetivo de dificultar a fiscalização realizada pelo Ibama.
A desregulamentação do setor ambiental foi prioridade de seu Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, conhecida na expressão “passar a boiada”, ou seja, realizar progressivamente pequenas mudanças na legislação enquanto a mídia estava “distraída” com a pandemia do COVID-19. Foi esse desmantelamento, junto às declarações do presidente e outros membros do governo, que incentivam o desmatamento ilegal, ao criar uma sensação de impunidade generalizada.
Os números alarmantes de desmatamento produzidos por esse desmonte da política ambiental, tem sido um dos maiores potencializadores do isolamento diplomático de Bolsonaro. Um dos primeiros sinais desse isolamento foi a suspensão de apoio financeiro para proteção ambiental. Além disso, as queimadas na Amazônia chegaram a ser pauta em reunião do G7 sem a presença do Brasil, por iniciativa do presidente francês Emmanuel Macron, que chegou a ter a aparência de sua esposa criticada por Bolsonaro em acontecimento vergonhoso protagonizado pelo presidente brasileiro. Por fim, o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia continua sem ratificação e, uma das explicações para tal impasse, é justamente a condução da política ambiental durante o governo de Jair Bolsonaro.
O isolamento diplomático e a impossibilidade de contestação do resultado eleitoral
Os repetidos ataques de Jair Bolsonaro à democracia brasileira, principalmente ao sistema eleitoral do país, também contribuíram para acentuar o isolamento diplomático do presidente. Durante o ano de 2022, Bolsonaro, que apareceu atrás de Lula nas pesquisas eleitorais durante toda a corrida presidencial, se empenhou em deslegitimar o processo eleitoral brasileiro, em atitude semelhante àquela de Trump em 2020.
Enquanto o presidente estadunidense direcionou seus esforços em 2020 para a contestação do voto pelo correio como uma alternativa para as pessoas que não se sentiam à vontade para votar presencialmente durante a pandemia, o presidente brasileiro optou pelo ataque às urnas eletrônicas. Em diversas ocasiões, o presidente contestou, sem qualquer evidência, a segurança das urnas eletrônicas que garantem celeridade ao processo eleitoral brasileiro e são um exemplo de eficiência para o mundo.
Foram meses de preparação para uma eventual contestação do resultado das eleições, Bolsonaro afirmou que só deixaria a presidência diante de eleições limpas e, segundo ele, esse não seria o caso daquelas que viriam a se desenrolar no Brasil. Em suas tentativas de tumultuar o processo eleitoral e gerar desconfiança, Bolsonaro chegou até mesmo a reunir dezenas de embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada a fim de reafirmar que as eleições brasileiras seriam fraudadas em benefício de seu oponente, Lula.
No entanto, enquanto o presidente defendia a ideia de uma fraude eleitoral, também distribuía dezenas de bilhões em benesses para a população a poucos meses antes do pleito e segurava artificialmente o preço do combustível, com o objetivo de tentar reverter a derrota que se prenunciava. A estratégia golpista do presidente repercutiu positivamente em sua base de apoiadores que nunca demonstraram qualquer timidez para pedir ao presidente uma intervenção militar. No entanto, a repercussão dessas iniciativas no nível internacional, impossibilita qualquer tentativa de contestação do resultado das urnas.
O Senado estadunidense, por exemplo, assinou uma resolução para condicionar a relação com o Brasil a aceitação do resultado eleitoral, enquanto membros do parlamento europeu solicitaram aos líderes da União Europeia um monitoramento das eleições brasileiras devido a possibilidade de tumulto por parte de Bolsonaro e o corte das relações com o Brasil em caso de uma tentativa de golpe. Além disso, parlamentares norte-americanos entregaram ao presidente Joe Biden uma carta, na qual citaram nominalmente Bolsonaro ao relatarem preocupação com a possibilidade de um golpe no Brasil.
Tendo tudo isso em vista, Bolsonaro pode até tumultuar de alguma forma a transição para o novo governo Lula, mas qualquer tentativa de impedir que o novo presidente assuma o cargo, não contará com qualquer apoio internacional e, portanto, é muito improvável que venha a ocorrer. Não é pequena a possibilidade de algum acontecimento nos moldes da invasão do Capitólio nos Estados Unidos no dia 6 de janeiro, mas qualquer tentativa de contestar o resultado das urnas, não possui qualquer chance de sucesso. Jair Bolsonaro nunca escondeu suas pretensões autocratas, ele não deixará o poder por respeito à democracia brasileira, mas sim porque não possui nenhuma outra alternativa e, se quiser sobreviver politicamente, precisará optar pelo silêncio diante da derrota.