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Brasil na OCDE: uma admissão tardia
07/12/2022
Bruno Santos Fonseca, investigador doutorando do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA)
Após os resultados do segundo turno das eleições brasileiras, que deram a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e com o início do processo de transição, será que a admissão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) será algo tangível com o novo governo?
OCDE e a sua importância econômica para o Brasil
O Brasil, parceiro-chave da OCDE desde maio de 2007 (já engajado com a organização desde 1994), tem vindo a fortalecer a sua cooperação por meio de uma participação ativa não só em reuniões ministeriais, órgãos e projetos da organização, mas também na sua integração em estudos e relatórios de setores fundamentais para a OCDE. Esse caminho estratégico – fomentado quer pela organização, quer pelas entidades brasileiras – tem proporcionado diálogos construtivos após a apresentação da candidatura formal do Brasil à OCDE em 2017, já que o país nutre uma posição importante na economia mundial.
Numa análise realizada sobre o desenvolvimento econômico do Brasil, o Financial Times menciona os problemas que têm limitado um progresso econômico de matriz constante, como se rege a questão da governança política e econômica que os governos brasileiros têm adotado: economia fechada; gastos públicos altos; dinheiro desviado para as máquinas políticas e partidárias, bem como a cedência a grupos de interesse (lobistas); investimentos e produtividade deficitários e/ou estagnados em setores estratégicos. Esses setores estratégicos (a nível político, econômico e social), para além de se favorecerem das questões geoeconômicas de que o Brasil usufrui, muitas vezes são remetidos e direcionados para o interesse de algumas parcelas da sociedade, e não para uma efetiva ação concertada de desenvolvimento econômico e social mais atrativo ao investimento exterior. Não sendo concludente/restritivo, mas a necessidade de atrair investidores ESG (na sigla em inglês: Environmental, Social and Corporate Governance – ambiente, social e governança corporativa), alicerçados em práticas sustentáveis, e a conclusão urgente e necessária do acordo comercial Mercosul-UE vão se tornar mecanismos de abertura e consolidação da economia brasileira na esfera política e econômica mundial.
A OCDE possui como objetivo a construção de políticas que promovam as dimensões estruturantes baseadas na prosperidade, na igualdade, na oportunidade e no bem-estar, de modo a ser possível agir, combater e encontrar soluções para os desafios sociais, econômicos e ambientais que a sociedade mundial atualmente enfrenta. Em janeiro de 2022, o Conselho da OCDE encetou as negociações e o processo para a adesão do Brasil (e também de Argentina, Peru, Romênia, Bulgária e Croácia) à organização econômica.
O Roteiro que estabelece os termos e as condições para a adesão do Brasil à Convenção da OCDE foi adotado em 10 de junho de 2022, o qual apresenta todo o “processo detalhado para avaliar o alinhamento de um país às normas, políticas e práticas da OCDE, o que é necessário para tornar-se membro da organização”, de acordo com Mathias Cormann, secretário-geral da organização. Após esse passo, o governo brasileiro, chefiado pelo presidente cessante, Jair Messias Bolsonaro (PL), submeteu à OCDE o memorando inicial com as bases das negociações e dos futuros esforços e compromissos legislativos, políticas e práticas dos 32 setores da economia brasileira para que estes convirjam com os padrões da organização – dos 208 padrões legislativos (de cerca de 250) necessários para a admissão à OCDE, o Brasil já cumpriu perto de 110, segundo os últimos dados.
A adesão à OCDE – e a conclusão de outros acordos e negociações internacionais – permitirá, de igual modo, a reinserção do Brasil nos âmbitos internacionais, como é seu desejo dar início ao processo para pertencer ao Conselho de Segurança das Nações Unidas de forma permanente.
A admissão e os sinais da OCDE e do mundo
No processo de adesão do Brasil à OCDE, algumas áreas que estão presentes no Roteiro com as determinações e especificidades das negociações e que têm sido alvo de maior escrutínio por parte das comissões competentes por sua importância, as questões são semelhantes àquelas que têm barrado a conclusão do acordo comercial Mercosul-UE: necessidade de aplicar reformas estruturais significativas numa dimensão de sustentabilidade e crescimento verde; abertura ao comércio e investimento; governança e integridade de esforços anticorrupção; e proteção urgente do ambiente, da biodiversidade e do clima.
De acordo com informações da Reuters, um relatório publicado pela Transparência Internacional entre os dois turnos das eleições presidenciais brasileiras de 2022 indicou que os níveis de corrupção no país se encontram elevados, fazendo com que o Brasil descesse no índice mundial no que concerne a melhorias e combate à corrupção – sobretudo pela interferência do governo de Jair Bolsonaro no trabalho de agências e na aplicação de legislação anticorrupção. Simultaneamente, a associação alertou que os retrocessos no combate à corrupção são “preocupantes” pela constante falta de independência das instituições brasileiras, na sua generalidade.
Ainda em 2019, o embaixador do Reino Unido no Brasil, Vijay Rangarajan, manifestou apoio à entrada do Brasil na OCDE, referindo que este “é um processo internacional de grande importância, principalmente neste momento, em que as instituições multilaterais estão sendo cada vez mais desafiadas”. Na mesma altura, os EUA já haviam demonstrado apoio ao processo de adesão do Brasil, ratificando e reforçando os esforços do país latino-americano em buscar a adesão à organização e na persecução dos objetivos e requisitos estipulados, segundo nota publicada no site da Embaixada e dos Consulados dos EUA no Brasil.
A adesão do Brasil à OCDE possibilitará não só o desenvolvimento de padrões que regem a economia do mundo – especialmente pelo que é adotado pelos países-membros da organização –, mas também a adaptação de legislação nacional a nível alfandegário, que tem afastado e desencorajado investidores a ingressarem no mercado brasileiro. Numa alusão ao acordo Mercosul-UE, alguns países da União Europeia, como a Alemanha, estão para aprovar legislação que visa aplicar sanções a empresas que de alguma forma participem em negócios com empresas brasileiras que atuam no desmatamento ilegal da Amazônia, situação que poderá afetar direta ou indiretamente o Brasil, já que a maioria dos países-membros da OCDE se encontram na Europa e possuem voto para aprovar ou negar a adesão do país à organização.
Questão político-econômica brasileira: um futuro na OCDE
Com uma sociedade politicamente polarizada e com a preocupação em torno do equilíbrio fiscal no rescaldo das eleições presidenciais de 2022, o Brasil ainda consegue apresentar-se como a maior economia da América Latina. Contudo, a margem de manobra que as autoridades políticas brasileiras possuem na aproximação dos seus parceiros internacionais (EUA, UE, China e até a Rússia) possibilitará, de fato, um desenvolvimento econômico mais corpóreo e concreto em comparação com o verificado na última década.
A economia brasileira, assolada por consequências resultantes da pandemia de covid-19 e dos problemas associados à inflação e ao aumento do custo de vida, começa agora a apresentar sinais de recuperação, como mostram dados do desemprego que, apesar de se situar nos 9%, encontra-se no seu ponto mais baixo em quase sete anos. Ainda que haja melhorias significativas em indicadores econômicos nos últimos meses, o crescimento da economia continua a ser de apenas 0,36% na última década, justificado por oscilações ao longo dos anos e nas taxas de câmbio que o país tem sentido – para além da dimensão política de isolamento mundial.
Analistas econômicos indicam que o governo do próximo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, enfrentará condições internas adversas que poderão limitar o crescimento, como o aumento de gastos e de impostos devido à ocorrência de um superávit atingido nos últimos anos. Por outro lado, também apontam a abertura para o mundo nesta nova onda governativa e descrevem a economia brasileira como resiliente por seu protecionismo e por se encontrar numa bolha que a protegeu, em determinados aspectos, uma vez que não sofreu diretamente os impactos das tensões geopolíticas mundiais, bem como das questões macroeconômicas de credibilidade.
Em seu terceiro mandato, Lula da Silva governará uma das maiores economias do mundo, revitalizando não só a própria ação em termos de crescimento econômico, mas também o apoio externo, o qual tem sido sinalizado ao novo governante por parte dos atores políticos internacionais, como Estados Unidos e União Europeia, num indício de persecução de uma estabilidade política necessária a fim de que seja possível atingir uma consequente estabilidade econômica e social no país. Todavia, e apesar de o Brasil demonstrar uma cooperação forte no contexto Sul-Sul e de ser um dos maiores produtores de commodities do mundo (aumento verificado sobretudo durante os dois primeiros mandatos de Lula, de 2003 a 2010), o processo de adesão seguirá uma avaliação criteriosa levada a acabo por mais de 20 comitês que analisarão se toda a legislação se encontra em linha com as regras e padrões competitivos estabelecidos pela OCDE.